14/03/2009

O Pe. Cicero entre cangibrina, alcatrão e catuaba

Graças ao GPS do Pedro Martinelli, chegamos lá. O Mocotó tornou-se um centro de peregrinação gourmet de uns tempos para cá. Desde que o jovem chefe Rodrigo Oliveira ganhou uns prêmios e certa cobertura na impressa o seu restaurante se tornou uma espécie de Joazeiro-do-Padre-Cícero da mesa paulistana.
Olhando o Sr. José Oliveira, pai e fundador do boteco há mais de 30 anos, me lembro de Luiz Gonzaga que, uma vez, perguntou aos alunos da Puc-SP por que eles achavam que ele, Gonzagão, artista conhecido do Brasil todo de longa data, finalmente estava ali, no Tuca, centro da cultura paulistana? Ninguém acertou a sua resposta: “Oras, estou aqui porque vocês decidiram agora que eu sou raízes da música brasileira!” (sic).
O Sr. José Oliveira, pai do Rodrigo Oliveira, é “raiz”. Está lá plantado há um tempão e nunca pensou em contar com a nossa visita. Nem por isso é aquele camarada diáfano, que anda sobre a terra como personagem de Glauber Rocha, com expressão santa e intocada. O Sr. José é um homem de carne e osso, com seus interesses comerciais claros. Perguntado pela origem de uma receita, não se peja: “Ah, essa eu peguei do Globo Rural...”.
O caldo de mocotó, a favada e a combinação de ambos – a mocofava – são, para mim, uma boa razão para peregrinação. Assim como o torresmo, de botar inveja nos espanhóis modernos (aliás, quando da Mesa Tendência, estes também foram em peregrinação até o Mocotó). E tem o escondidinho de carne-seca, com um tantinho (dispensável?) de requeijão, que é de agrado geral.
Tem o atolado de bode, que o cardápio já vai traduzindo para o paulistanês (Atenção!: bode = cabrito, não é bicho velho não!), é bastante bom. Ao sarapatel, lamenta o Sr. José Oliveira, falta o sangue, que as autoridades sanitárias proíbem na grande cidade. Não me faz falta, pois não sou muito fã desse prato.
Enfim, come-se bem ali. Brasileiramente bem e barato (o que é raro em São Paulo), se não computarmos no preço o necessário GPS para o público ajardinado da cidade. Mas talvez valha a pena investir no GPS, se pegar pra valer a moda de comer fora do circuito de 20 kms de raio desde o centro da cidade.
Tudo ali é bem feito, e é difícil, para mim, saber o quanto é mérito do Rodrigo e o quanto é do seu pai. Nem eles estão interessados nisso, de forma que é irrelevante por agora. O importante é que estão em sintonia com os nordestinos migrantes que chegaram a São Paulo e ficaram culinariamente deserdados. Por isso frequentam o Mocoto com ares de quem está em casa.
O que acho surpreendente (e mais que positivo!) é que a inspiração sertaneja veio ombrear, no mundo gourmet, com a cozinha “típica” do litoral nordestino, disputando preferências. O Brasil sai enriquecido de um mergulho no Mocotó. Ele nos liberta do leite de coco, do camarão, da lagosta, do dendê, da pimenta excessiva – tudo de uma só vez!
E o cardápio mostra mesmo o outro mundo. Mais do que os pratos, são as bebidas que não deixam margem a dúvidas. Você, por acaso, tem o hábito de tomar conhaque de alcatrão, vinho de catuaba, vinho de jurubeba, xiboquinha, fogo paulista ou cynar? Pois é, lá há quem tome. E aqueles licores enjoados da Bols? Também há quem tome. Fico com a cangibrina, que não encontro fácil pelos terrenos ajardinados.
Veja também o texto do Luiz Américo sobre o Mocotó.

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