23/09/2009

À mesa, o Zé-ninguém

O estilo de descrição rebarbativa vai tomando conta do continente como a mesma eficácia da gripe suína. Fui xeretar o cardápio do Restaurante Sud, do Hotel Sofitel Buenos Aires, e encontrei essa jóia de descrição:

De sua nova carta noturna, podemos destacar alguns pratos como: a torta de centolla, marmelada e espuma de tomate, tapenade de azeitonas pretas e amêndoas torradas, coulis de pimentões vermelhos, vinagrete de pistache e azeite de nozes. Risotto al nero di sépia, azeite de trufa branca, tomate seco, polvo grelhado e espuma de açafrão. Paleta confeitada por 16 hs com especiarias e tomate assado, endívias refogadas com cítricos confeitados. Lombo em crosta de ervas e nozes, suco de cocção. Merluza negra à manteiga de gengibre e confit de cítricos, legumes da estação braseados com ervas frescas, redução de vinho branco aromatizado com dill e sementes tostadas de erva-doce. Para terminar, uma alternativa de sobremesa pode ser a tarte tatin de abacaxi recheada com creme Chiboust, sorvete de limão e creme inglês de coco torrado.

Comeria de bom grado a merluza negra com manteiga de gengibre e acompanhamento de legumes. Com a descrição, fiquei empanturrado antes de comer! E essas 16 horas da paleta, hem? Também comeria a tatin de abacaxi com sorvete de limão se eu soubesse, de bate pronto, o que é esse creme Chioboust. (Quanta gente sabe que é o mesmo creme Saint-Honoré? E quem sabe o que é este um creme pâtissière suavizado com chantilly)? Que raios é um creme inglês de coco torrado? O que é uma vinagrete de pistache? Tudo cansa muito.

Outro dia reclamei do serviço onde os garçons ficam recitando essas coisas à mesa. Agora, temos a recitação por escrito. No futuro, teremos a íntegra da receita. Comer será só para conferir como o chef executou a receita... aplaudi-lo ou fazer reparos técnicos, como sugerir uma hora a mais ou a menos nas 16 que nos apresenta!

Falta de imaginação, mente burocrática. Fico pensando que Escoffier jamais emplacaria suas receitas se as descrevesse em vez de batizá-las: Pêche Melba; Oeufs Belle Hélène; Médaillons Laurent e assim por diante. Essas pessoas, de carne e osso, comiam em seus restaurantes. Melba podia ser vista à mesa ou no teatro de ópera. Era uma elite, uma comunidade de seletos que se conheciam.

Hoje esses nomes nos dizem pouco, mas diziam muito à época e para o seu público. Mas será que o público anônimo de hoje precisa ser castigado com descrições técnicas para reconhecer a sua insignificância? O bauru, que todo mundo sabe o que é, não foi batizado assim por conta de um jornalista de Bauru que freqüentava o Ponto Chic? Verdade ou lenda, favorece uma referencia social do prato e de quem o come, muito melhor do que as tecnicalidades frias em que os chefs se atolaram.

1 comentários:

com meus botoes disse...

Não acho que seja falta de imaginação e sim de confiança no próprio taco.
A glamurização do ato de comer e o modismo das artes culinárias está criando geraçÕes de chefs muito mais preocupados com malabarismos entre ingredientes do que com o preparo e o sabor em si.
Esquecem-se de que quanto mais simples , puro e basico , mais dificil é.
E procuram valorizar seu esforço circense com nomes e termos muitas vezes sem sentido algum.
Uma pena!

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