Não vou fazer aqui o elogio mais do que conhecido à culinária da Roberta Sudbrack. Foi um prazer muito grande poder, finalmente, comer no RS. Prazer enorme, aliás, pois se compôs de mais de 15 passos ou pratos. Um exagero dos bons, como deve ser uma refeição gastronômica, com compromisso apenas com a fruição do gosto.
O que me impressionou não foram as coisas boas que ela faz – algumas inesquecíveis: o pargo, a leitoa à “baixa temperatura caseira” (sic), o quiabo, a pêra em massa filo. Nem o uso delicado do doce nas farofinhas, o que a diferencia de muita “mão pesada” que se vê por ai, atenta à essa tendência moderna de levar o doce para o domínio antes restrito do salgado.
O que me impressionou foi o conjunto da obra. A começar de um pão – um só tipo, em vez daquela profusão de variedades que se vê em outros restaurantes gastronômicos. Um pão que, por ser bom, bem feito, sempre quente, dispensava qualquer cornucópia de couvert. Pão e manteiga, há algo melhor?
Depois, me impressionou a perfeita andadura do serviço. Absolutamente coordenado, preciso, silencioso, sem erro algum. Nem naquela recitação do conteúdo dos pratos, como se vê por ai. Uma recitação sem excesso e sem falta da informação essencial. Mais do que bons profissionais de serviço, percebia-se um treinamento impecável. Roberta trabalhou um bom tempo no Palácio da Alvorada e tinha como mão-de-obra disponível aprendizes militares. Ela soube traduzir a disciplina militar para um procedimento de cozinha e salão impecáveis. Talvez à maneira como Escoffier imaginava que deveria ser. Uma disciplina que se vê também na cozinha, exposta ao salão como o motor da máquina; o que se reflete, por exemplo, na perfeição do picar no tartar de abóbora; uma disciplina militar que se transforma em finura japonesa dos gestos culinários.
E me impressionou o décor. Simples, correto, despojado, elegante. Não é um restaurante para se ver e ser visto, como a maioria dos restaurantes gastronômicos de São Paulo. Quanto mais se vê e se é visto, menos atenção à comida. No RS, você se sente focado na comida, confortavelmente focado. Tem a leve sensação de que, se encontrar muitos conhecidos, vai sair perdendo. Como num momento de contrição, antes da comunhão que é o prazer ao comer. RS, antes de ser uma passarela, é um templo da gastronomia.
E me impressionou o nivelamento gastronômico dos ingredientes simples, levando-os ao melhor que podem dar de si. A crocância de um simples aspargo branco fresco; a interpretação livre da caprese (uma burrata com um tomate confitado dos deuses); o quiabo; o atum; o chuchu. Tudo ali, disposto com a mesma dignidade, sem precisar do socorro de ingredientes burguesamente nobres. Ao predominar esse partido gastronômico, perde sentido também qualquer discussão sobre cozinha “nacional”. Ela é “nacional” quando o ingrediente fala alto, não por opção ideológica.
Entendi perfeitamente o que é o "simples" que Roberta sempre fala. É o cúmulo da sofisticação! E estou convicto de que comer no RS exige um ato de contrição, pois é um ato de comunhão com o bom, o belo e o agradável. A sacerdotiza Roberta Sudbrack precisa ser visitada, especialmente pelos chefs e aprendizes-de-chef paulistanos, porque não é possível pegar um avião sempre que necessitamos absolvição dos pecados da gula. O sudbrackismo, essa religião do comer, precisa se disseminar!
29/03/2010
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5 comentários:
Texto sensacional, como sempre.
Ao falar com a acessível e querida chef, sinto o amor pela comida, pelo alimento bem cuidado, preparado com o intuito de se atingir o grau mais próximo da perfeição, se é que isso existe.
Depois de ler o seu texto, minha convicção de conhecer o RS só se solidifica. Já programei: Maio. O problema fica nas folhinhas do calendário, que demoram a cair...
Grande abraço, Dória!
Lindo!
Mestre,
adorei sua fala de hoje cedo na Estácio/BH...O povo do turismo vai pensar 10 vezes antes de abrir a boca(risos)
Infelizmente o Curso de Planejamento impediu-me de pegar seu autografo(na apresentação do Cozinha a Nu), bem como lhe dar um abraço e conhece-lo pessoalmente...
Parabéns
Estou doida para ir lá...
O sudbrackismo tá tomando conta do meu ser. Em Julho desembarco no Rio e no RS.
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