No princípio era o verbo. Ele pôs ordem no mundo. Assim é. Mas a Babel se insinua, aqui e ali, quando o assunto é culinária.
Um amigo, à procura da exatidão da sauce provençal, me relata a divergência com uma amiga sua: “Pra mim o termo provençal se traduz em tomate, alho, cebola e ervas. Para minha amiga, vinho branco, ervas e manteiga. Numa pesquisa rápida no google encontrei a minha versão, a da amiga e mais algumas, que incluíam desde azeitonas até amêndoas”.
Provençal só pode ser o que reporta à Provence e ai age nossa imaginação, sendo forte a pressão atual da ideologia da “dieta mediterrânea”. Mas o termo começou a ser usado em Paris, ao tempo da Revolução, e suas especialidades surgiram listadas no Le Cuisinier Durand, que apareceu em 1830. As coisas à la provençale eram muito variadas, tendo em comum apenas a presença do tomate, do alho, do azeite de oliva.
Escoffier fala da sauce provençale no Le guide culinaire mas a omite no Ma cuisine. Para ele, trata-se de refogar em azeite o tomate concassée, acrescer sal, pimenta, uma pitada de açúcar, um alho bem picado e uma colher de café de salsinha picada, deixando em fogo baixo por meia hora. Mas ele mesmo adverte que é uma das tantas receitas, limitando-se a dar a receita da “verdadeira provençale” à bourgeoise.
No Larousse gastronomique a receita inclui cebola, bouquet garni, vinho branco, caldo de carne, sendo reduzido à metade e finalizado com salsinha e manjericão.
Não se trata de confusão, portanto, mas de multiplicidade de produtos reunidos sob uma mesma denominação que reporta a uma origem geográfica. Seria um erro, talvez, incluir manteiga, como em algumas versões. A Provence está irremediavelmente associada ao azeite de oliva, não à manteiga.
Já o creme brûlé e a crema catalana, são a mesma coisa? O restaurante Eñe divulga insistentemente uma receita que é a seguinte: creme de leite, paus de canela, casca de limão verde, gemas, de açúcar refinado. Para mim, esta receita é a do creme brûlé.
Várias fontes dão a crema catalana como: leite, ovos, gema, pau de canela, limão, açúcar e amido de milho. Pode-se encontrar essa receita tanto no moderno Culinária Espanha. Especialidades espanholas (Könemann, Colonia, 1998) quanto no simpático e fundamental Cozinha tradicional catalã, de Inês Mendonça Petit (Editora Nova Fonteira, Rio, 1986).
Há quem distinga um e outro apenas pelos aromáticos (canela e limão), o que é pouco em tempos nos quais se varia o creme brûlé segundo uma infinidade de aromáticos. Seria útil, portanto, estabelecer com clareza que no creme brûlé os componentes estruturantes são o creme de leite e os ovos; na crema catalana, o leite e o amido. Em nenhum dos dois mandam os aromáticos.
Tudo isso pode parecer preciosismo nominalista, mas não é. A precisão na comunicação com o cliente é fundamental. Já presenciei a entrega à mesa de um "filé à parmegiana" sem queijo; diante da reclamação, o gerente disse: “mas este é à moda da casa”.
Cada um faça o que quiser, mas tente ser preciso na comunicação. No principio era o verbo, mas as línguas se confundiram e a torre de Babel não seguiu adiante. Assim é na construção do edifício culinário.
13/04/2010
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1 comentários:
E o que dizer do Italiano Carbonara, por estas bandas frequentemente servido com creme de leite.
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