27/08/2010

Diário Oficial da União também é cultura culinária

DOU, 25 de agosto de 2010 , sec.1 pg.24

MINISTÉRIO DA CULTURA
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO
E ARTÍSTICO NACIONAL
AVISO
COMUNICAÇÃO PARA EFEITO DE REGISTRO DO BEM CULTURAL DE NATUREZA IMATERIAL, DENOMINADO "SISTEMA AGRÍCOLA TRADICIONAL DO RIO NEGRO", NOS MUNICÍPIOS DE SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA, SANTA ISABEL DO RIO NEGRO (TAPURUQUARA) E BARCELOS, ESTADO DO AMAZONAS, COMO PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO.

Na forma e para fins do disposto no § 5º do art.3º do Decreto nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, o INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL - IPHAN, dirige-se a todos os interessados para AVISAR que está em trâmite no âmbito deste Instituto o processo administrativo nº 01450.010779/2007-11, que se refere à proposta de registro do "Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro", no Estado do Amazonas, como Patrimônio Cultural Brasileiro, apresentada pela Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro - ACIMRN, pela Associação Indígena de Barcelos - ASIBA e pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro - FOIRN.

O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro é entendido como um conjunto estruturado, formado por elementos interdependentes, quais sejam: as plantas cultivadas, os espaços, as redes sociais, a cultura material, os sistemas alimentares, os saberes, as normas e os direitos. Esse bem cultural está ancorado no cultivo da mandioca brava (manihot esculenta) e apresenta como base social os mais de 22 povos indígenas, representantes das famílias lingüísticas Tukano Oriental, Aruaque e Maku (não identificadas) localizadas ao longo do rio Negro, em um território que abrange os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas, até a fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela. O conhecimento produzido na instrução do processo de Registro permitiu identificar os elementos constitutivos deste bem cultural, desde sua origem até sua expressão contemporânea, cuja síntese é a seguinte:

O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, Amazonas, organiza um conjunto de saberes e modos de fazer enraízados no cotidiano dos povos indígenas que habitam a região noroeste do Amazonas, ao longo da calha do Rio Negro e bacias hidrográficas tributárias. É entendido como um conjunto estruturado e formado por elementos interdependentes e articulados, quais sejam as plantas cultivadas, os espaços, as redes sociais, a cultura material, os sistemas alimentares, os saberes, as normas e os direitos. Esse bem cultural acontece em contexto multiétnico e multilingüístico onde os grupos indígenas encontrados compartilham formas de transmissão e circulação de saberes, práticas, serviços ambientais e produtos, sendo possível identificá-lo uma vez que é elaborado constantemente pelas pessoas que o vivenciam.

A bacia do rio Negro é formada por um mosaico de paisagens naturais: floresta de terra firme, campina, vegetação de igapó e chavascal (fonte: ISA). Esta diversidade repercute na vida da população, especialmente, nas atividades de caça, pesca, agricultura, coleta de materiais para fabricação de artefatos e de malocas. Os povos indígenas detêm o conhecimento sobre o manejo florestal, os locais apropriados para cultivar, coletar, pescar e caçar.

O saber envolvido no Sistema Agrícola do Rio Negro é estratégico para lidar com as limitações e potencialidades do ecossistema da região, sem degradá-lo. Este sistema está baseado na coivara, que consiste na derrubada de uma área de floresta primária ou capoeira alta, que, em seguida, é deixada para secar e, depois, é queimada. Nessas clareiras são plantadas roças por um período de dois a três anos, quando são gradualmente abandonadas, sendo visitadas apenas para a coleta de frutos. Essa agricultura de coivara é destinada ao consumo familiar e venda de produtos em pequena escala. Também, exige a transferência contínua dos cultígenos de uma roça para outra, nesse sentido, fazer roça supõe estar inserido em uma rede de troca, fator essencial para a existência do sistema. Acontece em condições de baixa pressão demográfica, e implica na diferenciação de, no mínimo, três unidades: roças de primeiro ciclo de plantio de mandioca, roças de segundo ciclo com mandioca que serão progressivamente enriquecidas com fruteiras (sistemas agroflorestais), e capoeira. Essa prática de agricultura de queima e pousio é fundamental para este sistema, pois daí advém seu caráter sustentável e de invisibilidade diante do manejo do agronegócio no Brasil, onde a paisagem é marcada por extensas plantações de monocultura.

A mandioca é o principal cultígeno e sua importância neste sistema não se restringe ao tubérculo comestível, mas a espécie que a planta representa, ou melhor, a variedade genética. Todos os sentidos das agricultoras estão voltados para a espécie, ocupando o tubérculo segundo plano. Diante dessa concepção singular de produto agrícola, é notável a grande diversidade de mandioca cultivada nas roças indígenas, revelando um sistema marcado pela produção de variedades de plantas como um valor em si, pois não há relação direta entre o uso de uma variedade de mandioca e determinado produto (farinha, beiju, mingau, caxiri, etc). Nesse sentido, outros valores estão na base deste sistema, que divergem daqueles que marcam a agricultura ocidental. Para esta última, há uma estreita relação entre o cultígeno e seu produto e enfatiza-se a busca por sua homogeneização e alta produtividade.

Outro aspecto de divergência entre a agricultura ocidental e a elaborada pelos indígenas do rio Negro é que para estes a produção dessa diversidade é um bem coletivo que, necessariamente, deve circular, estar na rede de trocas das etnias envolvidas, enquanto para os outros trata-se de propriedade privada e criação de patentes, o que implica em pagamento de royalty.

O trabalho produzido na instrução do processo contém elementos que motivaram a emissão de parecer favorável à inscrição do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro no Livro dos Saberes.

A presente comunicação tem por finalidade tornar público o ato que se quer praticar, e permitir que, no prazo de 30 dias (trinta) dias contados desta publicação, qualquer interessado apresente a sua manifestação.

AMPARO LEGAL - Constituição da República Federativa
do Brasil, de 05 de outubro de 1988, art. 216 (inciso II); Lei nº 8.029 de 12 de abril de 1990; Lei n.º 8.113, de 12 de dezembro de 1990 e Decreto n.º 3.551, de 4 de agosto de 2000.

PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO DOS INTERESSADOS:
30 (trinta) dias.

CORRESPONDÊNCIA PARA: Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural - Presidente - SBN, Quadra 02, Edifício Central
Brasília - 6º andar - Brasília - Distrito Federal - CEP: 70040-904.
LUIZ FERNANDO DE ALMEIDA

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