28/10/2010

Mesa tendências - 1º comentário

Um documento, com o nome pomposo de “Carta de São Paulo” (da cidade, não aquele da bíblia), assinada pelos novos apóstolos da sustentabilidade. Esse o resultado que se pretende mais duradouro do Mesa Tendências. É uma reafirmação de princípios gerais, mais do que óbvios, mas que é bom os cozinheiros terem consciência.

De concreto, pouca gente trabalhou a “sustentabilidade” como tema no evento. Quero dizer: discutiu-se o tema lateralmente, de perspectivas que contornaram os principais problemas. Até a Sadia, uma das financiadoras do evento, se arvorou em sustentável: distribuiu um folheto sobre “Gestão integrada de fornecedores”. Muito discurso “ético” mas poucas informações sobre melhorias concretas: afinal, os produtores integrados da Sadia tem jogado menos cocô de porco nos rios? Em quantas mil toneladas reduziram essa emissão de poluentes nos últimos 5 anos? Era o que eu queria saber, assim como quantos que andam pelo interior do Paraná e Sta. Catarina, que fedem a chiqueiro e têm seus rios mortos ou agonizantes. A Sadia, especialmente depois da fusão com Perdigão, é monopolista desse negócio. Então, pode influir muito.

Em matéria de discurso, fico com o do Gastón Acurio. Um belíssimo documentário, um discurso de quem é hoje, fora de dúvida, o “deputado” da gastronomia. O cara sabe o que faz e o que fala e – coisa rara – sabe articular ambas as práticas com uma coerência ímpar.

Mas bonito mesmo é o que fez Helena Rizzo: aboliu o uso do salmão em sua cozinha. “quando o peixe é forçado a crescer sob artifícios, como ração e medicamentos, perde o sabor e a qualidade”. E ainda nos ensina: "o produto não é bom, apenas porque é orgânico. Já deixei de usar ovos orgânicos porque não tinham sabor”. É isso ai: medidas concretas em prol da gastronomia, da saúde e do planeta, sem mistificações de palavras como "orgânico".

Se fossemos dar um “10” de criatividade teríamos que escolher André Saburó, do restaurante japonês Quina do Futuro, em Recife, e Raphael Despirite, do francês Marcel. Aquilo sim é que é pesquisa, fora dos registros óbvios da tradição, enriquecendo o rol de possibilidades gastronômicas. Dá gosto saber que tem gente assim. Presunto de peixe e fígado de beijupirá! Coisas que não existiam e, agora, existem.

Bem, mas vou até ali, no sertão do Piaui, e deixo os demais comentários para a volta.

3 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

O Hervé this deu um show de sustentabilidade, apontando o cinismo de quem se pretende sustentável, sem saber sequer o que significa o conceito de sustentabilidade.

Ricardo Neves Gonzalez disse...

Dória, ótimo saber que o mundo gastronômico discute sustentabilidade, afinal de contas o mundo inteiro vem discutindo exatamente isto.
Sabemos que do discurso à prática as coisas são difíceis mesmo. Mas acredito sim e muito nas ações de pequenos pensadores, mas que pensam grande. Gaston Acurio tem um belo trabalho gastronômico levando suas criações e o nome do Peru, um pequeno país Andino para todo o mundo, inovando com simplicidade e sabedoria.
Estarei participando na próxima semana de um evento gastronômico aqui em Petrópolis com uma oficina de sanduíches gourmets. E vou preparar um sanduíche num Pão Nórdico ( Pão Polar)feito com farinha de centeio integral, creme de leite fresco e aromatizado com erva-doce moída bem fina.
Nos países Nórdicos este pão é recheado com generosas fatias de salmão como num wrap ( enrolado ). Como sustentabilidade se consegue localmente, pensando a proteção e o incentivo às ações locais, resolvi que vou substituir o insustentável salmão dos rios gelados pela nossa trutaque tem aqui na serra de Petrópolis um habitat muito propício ao seu desenvolvimento com pequena produção, mas qualidade incrível.
Vamos ver qual será o tema do Tendências do próximo ano!

Claudia disse...

Uma pena que neguinho desse meio não entenda nada de sustentabilidade, assim como não entendem nada de alimentos. Ficam pela aí gastando palavras alheias, abarrotando estantes com péssimas traduções, seguem como primatas escravizados que são as tendências internacionais e no fim mostram que entendem apenas de preços altos, não é mesmo? Uma manada. Poucos se destacam neste cenário. A esta altura do campeonato não abraçar os alimentos orgânicos em sua totalidade, não entender a importância desse sistema agrícola para a sociedade rural brasileira é não entender a importância dessa para a culinária, é não entender nada de alimento, de cultura, de história e de geografia. Comida que se quer de qualidade, sustentável e biodiversa precisa ser orgânica.

Señorita Rizzo deveria procurar um fornecedor de ovos orgânico adequados ao seu gosto pessoal, há ovos e ovos orgânicos, ao invés de aceitar ovos de galinhas hormonizadas e alimentadas com ração transgênica e industrial. Mas defender que o prefere o sabor dos ovos não orgânicos é quase piada. Ou será que ela está tão acostumada ao sabor do ovo de granja industrial que já não consegue apreciar o sabor de um ovo de galinha alimentada por minhocas e milho de verdade, milho orgânico?

Orgânica é a comida como ela era na época da sua e da minha avó. É a agricultura como artesanato, "state-of-the-art", é o alimento, qualquer um, produzido de forma não industrial e sem "anabolizantes". Sustentável é o alimento produzido sem destruir o meio de onde ele brota. Sustentável é a agricultura que não emite gases e não polui rios e mares por exemplo. Proteger a biodiversidade é produzir usando aqueles pés de chuchus e mandiocas nativas que crescem ao pé dos cacaueiros ou algodoeiros para enganar os insetos e as pragas e proteger a plantação.

Agricultura orgânica cuida de tudo e de todos. Cuida da qualidade e por consequência do sabor do alimento que ela produz, cuida da saúde e da longa vida do agricultor, cuida dos solos e da terra, contribui para a sobrevivência das espécies que nascem e circulam ao redor da produção, espécies nativas, insetos e animais daquele ambiente e não destrói a fontes de água e de ar.

Qualquer chef que fala que faz comida de qualidade mas não entende o papel fundamental dos alimentos orgânicos no cenário global não sabe nada do que está falando.

E você ainda vai me dar razão.

C.

Postar um comentário