26/02/2011

Los Negros, de Francis Mallmann

Os Destemperados estiveram lá e fizeram uma crônica que me dispensa de repeti-los sobre o lugar e a comida. Mas fiquei bastante impressionado com tudo.

Como já havia comido e me encantado com o 1884, do mesmo Francis Mallmann, em Mendoza, instalado na vinícola Escorihuela Gascon, desavisadamente esperava algo parecido. Mas não. O Los Negros consegue ser insólito.

O talento de Mallmann é reconhecível por todos que vão ao Figueira, ou ao Arturito, pois ele estabeleceu o partido culinário da grande churrascaria paulistana e Paola Caserola, todos sabemos, trabalhou com ele e veio ao Brasil justamente por conta daquela consultoria de Mallmann a Belarmino Iglesias. Certamente boa parte de sua formação deve a Mallmann.

Mallmann é o senhor do fogo. “El fuego tiene su propio idioma, que se habla en el reino del calor, el hambre y el deseo. Habla de alquimia, de misterio y, por sobre todo, de posibilidades.Va más allá de las palabras y de la memoria, viene de un tiempo muy anterior a mis recuerdos” – diz como se fosse um Gaston Bachelar da cozinha. De um lado o fogo, do outro a vaca.


Mas o homem não é só filosofia. No seu livro Siete Fuegos, que se pode comprar por qualquer US$ 50 na net, ele ensina a sua decifração prática: fogo alto, você põe a mão sobre a fonte de calor e só aguenta 2 segundos; fogo médio, aguenta 4 segundos; fogo baixo, de 6 a 7 segundos. E estamos conversados.

Do seu cardápio preciso, fiquei com a ensalada de pomelos rosados con almendras, rúcula y parmigiano; de principal, com a merluza negra, acompanhada por aioli e uma versão muito sua da “compota niçoise” - ou ratatouille - com os legumes fatiados finissimamente, temperado com chimichurri.

Prato simples, sem pirotecnia, mas seguramente a melhor compota niçoise que jamais comi. Certamente melhor que aquela que desperta o crítico no desenho Ratatouille. Inclusive porque seu chimichurri é feito com ervas frescas e não leva vinagre.

As sobremesas não são o forte da casa, a julgar pelos frutos vermelhos com sorvete e brioche que comi, ou pela crítica dos Destemperados. Mas não chega a comprometer a satisfação da refeição.

Los Negros está na localidade Jose Ignacio, em Punta del Este, onde, em 1978, Mallmann iniciou-se na culinária profissional.

A refeição lá está longe de ser barata. Paga-se tanto quanto no DOM e come-se algo que beira o tradicional, apesar de excelentemente bem executado. Mas há algo realmente extraordinário, que não havia visto em parte alguma: o decór e a ambientação.

Los Negros é um restaurante situado dentro de uma obra inacabada, e quando você entra a sensação é que os peões acabaram de ir embora. As paredes, o piso, o teto, tudo aguardando alguma espécie de acabamento que talvez prossiga no dia seguinte. Ninguém faria um restaurante ali, senão com muita ousadia e confiança no poder pessoal de atrair clientes.

Pendentes do teto, grandes cubos de estrutura em aço, pintandos de negro e luminárias, igualmente com estrutura de aço, ovais, sustentando velas e um interior de acrílico abaulado, onde estão encaixados dezenas de limões sicilianos frescos. Fruteiras com os mesmos limões decoram as mesas em madeira rústica envernizada. As cadeiras, com almofadas de tecido e encosto de folha de flandres envernizadas. Nas paredes, quadros pintados pelo artista plástico Hugo Arias.

Mallmann parece ter sido o “arquiteto”, pois as estruturas em aço, os móveis, as luminárias, foram desenhados por ele.

Enfim, tudo lembra que estamos num edifício que é uma obra, privilegiadamente situado na areia da praia, perto do histórico farol de José Ignacio. Lá Mallmann está nucleando um grande empreendimento imobiliário que, no futuro, será dos mais exclusivos de Punta del Este. No meio dele, planta seu fogo e, através dos limões em profusão no espaço, evoca para a clientela o mar e seus produtos.

Demorei-me a pensar sobre quanto Mallmann gastara na decoração daquele ambiente destinado a ser luxuoso. E não consegui superar a cifra de uns US$ 20 mil, suficientes para produzir aquele ambiente dramático, teatral, que entretem o cliente durante toda a noite, a par com o que vai saindo da excelente cozinha. E por esse caminho cheguei à trágica conclusão de que quanto menos um chef confia no seu próprio taco culinário, mais ele se defende atrás do luxo da decoração, do esbanjamento na “arquitetura de interiores”, como se o cliente fosse alguém que dele esperasse algo mais do que o perfeito domínio do fogo agindo, com seu tempo e intensidade, sobre bons ingredientes. Los negros inaugura uma nova arquitetura de restaurantes.

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