15/06/2011

Os limpinhos, a comida e a milícia alimentar - final

É uma palavra estranha essa que designa a demanda por novas normas sobre a vida cotidiana: normose. Vale a pena dar uma olhada na net para se esclarecer sobre o alcance do fenômeno. É por causa da normose que uma sociedade, antes fumante, fica tão virulentamente contra o hábito de fumar.

Mas a tendência forte do Estado se imiscuir nessas questões relativas à vida cotidiana, às escolhas das pessoas, tem inicio - ao que parece - em torno de 1996. No seu discurso anual, Bill Clinton informou a nação que a era do “grande governo” havia terminado. Isso significava que, no plano interno, o governo escorregava da União para municípios e estados.

Em 1997, Al Gore explicou aos seus eleitores que o governo era “como avós, no sentido de que os avós desempenham uma função de cuidar”. Já o jornalista David Harsanyi (Denver Post) vem travando uma batalha esclarecedora contra essa forma de totalitarismo. Num livro recente (“O Estado babá”) procura documentar como “radicais bom samaritanos, moralistas e outros burocratas cabeças-duras tentam infantilizar a sociedade”.

Para ele, o “estado babá é um local em que o governo assume um hiperinteresse em microadministrar o bem-estar dos cidadãos, nos protegendo de nossos próprios comportamentos”; isto é, se recusa a proteger “a minha autonomia e meu direito de ser nocivo, degenerativo ou ofensivo”. Há lugares onde esse poder tão abusivo do Estado chegou a extremos capazes de estabelecer multas para infrações como mascar chicletes. Tudo isso, diz ele, é o o oposto daquilo pelo que lutaram os Pais Fundadores da nação americana: a distinção entre o público e o privado, a esfera na qual decido eu, separada daquela onde decide o Estado, preservando o meu espaço privado.

Nós achamos razoável proibir o cigarro. Mas, como diz uma fonte de Harsanyi, “o governo está se intrometendo cada vez mais nos bares para controlar as coisas. Imprimimos um cartaz para uma propaganda que dizia: primeiro eles querem seus cigarros. Depois, virão proibir seu happy hours. E depois, confiscarão as bebidas. Eles estão usando a abordagem de proibir pouco a pouco”.

Nós sabemos que a estupidez dos norte-americanos é mais poderosa do que a nossa. Ela passa por credulidade. Mas como os achamos um bom exemplo, devemos nos cuidar, pois, como diz David Harsanyi, a primeira divisão dessa imbecilização normativa vem da ofensiva da chamada “milicia alimentar”, que defende o controle do governo sobre as suas escolhas como se fossem guardiões do seu estômago. Harsanyi acha que eles são simplesmente fascistas com métodos próprios de ação.

Nesse domínio do babbysitterismo, prevalecem as boas intenções contra o seu direito de escolha. Se for impossível impor leis municipais, estaduais ou nacionais restritivas, os babysitteristas atacam através do litígio legal que, nos EUA, é uma forma bem poderosa de legislar.

A primeira fonte de ataque é o escândalo com bases falsas. Como o escândalo da obesidade, arquitetado pelo Disease Control and Prevention, em 2000, alardeando que, por ano, morriam 400 mil norte-americanos por excesso de peso, clamando ao governo uma política pública. Depois da ofensiva dos governos contra a “epidemia”, revistas como Journal of the American Medical Association, mostraram a grande balela que era o alarmismo, baseado em estatísticas falsas, reduzindo o número a 25 mil mortos. Na esteira do escândalo, Nova Iorque, Chicago, Massachusetts, explodiram em proibições alimentares.

Um pesquisador de gorduras e colesterol, o Dr. David Kritchevsky, mostrou como esses alarmismos, ou “pânico do momento”, criam facilmente bodes expiatórios que impulsionam interesses nem sempre claros, como na onda de proibir gordura trans. “Se podemos proibir um ingrediente que não é saudável, o que impede o governo de proibir muitos ou todos eles?”

Por esse caminho chegou-se a absurdos, nos EUA, em certos estados e cidades, de se proibir um jovem de 18 anos de comprar um barril de chopp, embora possa comprar facilmente uma carabina. Afinal, na mitologia norte-americana, assassinatos e estrupros estão mais diretamente ligados ao álcool do que às armas. Para eles, a disponibilidade é a mãe do abuso.

Se nos lembrarmos da máxima de Savarin podemos, hoje, inverte-la para obter uma representação melhor da realidade: “Dizei-me o que não comes e dir-te-ei quem és”.

1 comentários:

Sabrina Romano disse...

Pensava na continuidade dos seus post ao ouvir sobre a nova lei que proíbe médicos de andarem por ai com seu jaleco contaminado; decisão esta tomada com base em inúmeras pesquisas, é claro, e que obviamente reduzirá de forma radical o número de casos de contaminação. Ufa! Como filha de médica, sei o quanto os aventais são perigosos, assim como o sapato, a calça, o esteto; e me pergunto porque minha malvada mãe, ao chegar em casa, apenas retirava o avental e lavava as mãos antes de falar conosco...

Impossível não ler esse terceiro post e lembrar-se da tentativa de se rotular, com uma tarja vermelha ou algo do gênero, produtos com alto teor calórico. Desde a primeira vez que ouvi essa história me imaginei olhando para os lados e escondendo um pote de Nutella no carrinho... Porque eu teria de passar por isso? Se quero demorar três meses para comê-lo, usá-lo como cobertura ou devorá-lo sob as cobertas em uma crise de TPM, acho que diz respeito apenas a mim; se irei engordar e onerar a saúde pública, paciência, é a minha liberdade e algo com que o Estado terá de lidar, o que deveria ser feito, preferencialmente, com educação, para que as pessoas saibam analisar, julgar e decidir por si, não restringindo o que julga perigoso como um pai superprotetor!

Hoje consigo entender as palavras de um professor de literatura, que profetizava sobre o movimento cíclico da história; apesar de não ter vivido a era militar, tenho me assustado muito com essas novas restrições e o paternalismo exacerbado – que para mim, muitas vezes, soam como piadas assustadoras -, mas vejo que pessoas que sentiram na pele fortes restrições, muitas vezes as apóiam...

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