27/09/2011

Depois dos ultra-modernos, o que virá?

Deixando de lado as picuinhas e rusgas - como a pseudo-polêmica sobre as diferenças entre a gastronomia molecular e a culinária molecular, que resultou na adoção desse nome esdrúxulo de “cozinha tecnoemocional” - qual o legado do período recente da gastronomia mundial que, aparentemente, se encerrou com o fechamento de El Bulli?

Considerado “genial”, Adrià sempre pareceu correr por fora, liderando o processo de transformação culinária pós-nouvelle cuisine apenas com seus recursos pessoais. Mas ele nunca escondeu seu débito com Hervé This. Assim, quando surge a obra Modernist Cuisine, é possível fazer um apanhado que vai além da contribuição pessoal de Adrià. Uma época de inovação mostra a sua cara por inteiro.

Se pensarmos o aparato técnico que ingressou nas cozinhas domésticas e de restaurantes desde a invenção do microondas, é uma enormidade. E é natural que os “genios” tenham apoiado nesse arsenal sua liberdade de criação. A cozinha de Adrià visava “surpreender”, e surpreendia mesmo. E havia momentos de dúvida diante de gedgets novos. Ele me mostrou, no seu taller, uma placa parecida com essas chapas de lanchonete que, ao contrário, congelava imediatamente o que fosse disposto na sua superfície. Tinha ganho de um laboratório norte-americano e não sabia, então, como iria utilizá-la. E nem sei se utilizou.

Mas esses gadjets se vulgarizaram e começaram a surgir “adriazinhos” por todo canto. Nosso mundo foi invadido por espumas (que é fruto do gadget mais barato e mais simples) e, finalmente, chegamos ao momento em que o termomix já bate às portas da cozinha doméstica. Vem barateando ano a ano.

No termomix, gente que não tem grande experiência pode fazer coisas antes inimagináveis. Basta seguir o manual. Finalmente parece que as receitas funcionam. Há outros equipamentos que ainda nem foram compreendidos, como a gastrovac. Só se cozinha a vácuo - isto é, em pressão negativa - nele. Mas nossos chefinhos e chefetes confundem essa técnica com a técnica do sous-vide. Com o tempo, tudo se esclarecerá.


Todas as técnicas introduzidas na cozinha no período recente se vulgarizarão e não serão mais suficientes para diferenciar a obra dos chefs. Por isso, intuitivamente, já se voltam para os ingredientes. Lançam até apelos patéticos para que os “cozinheiros de amanhã” cozinhem com valores na cabeça, preocupados com a preservação da natureza e a dita “sustentabilidade”.

Mas a natureza é plural e o será por muito tempo. Basta vencer certas fronteiras culturais para descortinar um mundo impossível de se comer todo. Os que agora fazem o elogio da cozinha peruana, considerando-a “bola da vez”, só terão que fazer o exercício de substituir o consumo de formiguinhas pelo porquinho-da-índia no espeto. Irão também se maravilhar com as centenas de espécies de batata. Talvez reconheçam as dezenas de variedades de mandioca como outro exemplo de diversidade natural. Nosso céu tem mais estrelas; nosso chão, mais mani.

Mas a “cozinha de ingredientes” não poderá ser organizada pela lógica das tecnologias. Exigirá novas “filosofias” e enfoques culinários. Os “terroirs” (sejam o que for) irão se multiplicar ao infinito, e será difícil justifica-los na cozinha. O Noma, cujo destaque mostra a força da anti-mediterraneidade da cozinha atual, revela a “riqueza” da ecologia da Islândia. Mas a lógica construtiva dos pratos é totalmente arbitrária: o cervo, que pisa numa erva, que é comida por um caramujo levam ao conjunto ao prato como se fosse um arranjo natural.

Outros chefs escolherão outros ecossistemas e outras lógicas organizativas. Sempre usando técnicas de última geração. A cozinha se descentralizará ao extremo, revelando uma surpresa atrás de outra. O Peru parece ser a última tentativa de se manter, como critério de coesão culinária, o plano nacional e a força da cozinha étnica.

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