08/12/2011

Leitor de 5ª - Fantasmas do passado

O Comida de ontem parecia editado pelo Dias Lopes. Em algum lugar do passado os editores adotaram o caminho de rememorar cardápios com vistas a “resgatar” receitas.

Tenho enorme implicância com esse verbo - “resgatar” - aplicada à culinária. Denuncia uma "antropologia culinária" de baixíssima qualidade, que não compreende a dinâmica e transformação como algo constitutivo dos fenomenos dessa área. Os que o utilizam acham que a mudança de hábito, com o desaparecimento de alguma coisa, é uma “perda”. Bobagem!

As comidas caem de moda mas não deixam de figurar num repertório de possibilidades e, por isso, vão e voltam, seguindo uma lógica pouco conhecida mas que, seguramente, não depende dos “resgateiros”. O mote da matéria foi a iniciativa da Biblioteca de Nova Iorque, que disponibilizou cardápios antigos (www.menus.nypl.org) para pesquisadores e um livro caboclo, de Lúcia Garcia, que indica a coleção de cardápios que foi de Olavo Bilac. Seria bom se o jornal se limitasse a esse universo, indo além de registrar que cardápios escritos em francês denotam influência...francesa! Mas não. Prefere ver fantasmas por toda parte, aqui mesmo, no centro de São Paulo de hoje.

Duas páginas sem graça propõem uma viagem no tempo, que não se realiza. Cometem o erro elementar de achar que restaurantes mais velhos apresentam receitas mais antigas. Boeuf bourguignon é antigo? Não, é clássico, tradicional, mas não “antigo” no sentido emprestado pelo jornal, de algo em desuso e “resgatado”. Nem é “antiga” a única receita que a matéria reproduz - a do coelho com papardelle, do Carlino - que é concluída com a seguinte recomendação sobre o papardelle: “prepare a massa com o molho de sua preferência”. Duvido que tenha sido essa a orientação, ou que o prato no Carlino tenha outro molho que não o do coelho. E na foto que acompanha a receita, temos o coelho simplesmente sobre a massa. Enfim, jornalistas não são cozinheiros. A matéria também nâo decide se grafa a massa como papardelle ou papardele.

E por falar em jornalistas como cozinheiros, o Paladar inaugura a sua “Cozinha de Cláudia”. Antes, apenas falava na primeira pessoa do plural, se colocando como agente da culinária. Agora faz test drive, ou pratos na redação - desta vez com assistência de um chef (Baratino) para dizer se fizeram direitinho.

O propósito foi “testar” receitas do The family meal, ultimo livro de Adrià que compila as receitas que a brigada do El Bulli comia. Esse El Bulli renderá muito ainda, como a panela de arroz da qual raspamos a crosta que ficou grudada no fundo. Como diz a auto-reportagem, “foi uma experiência divertida”. E nós, que não estavamos lá, precisamos usar a imaginação para reproduzir a diversão que a matéria não traz. É uma forma economica de fazer jornalismo, sem dúvida.

Boas matérias no Paladar sobre queijos ingleses e sobre azeites californianos. No Comida, resenha do livro de Washington Olivetto sobre suas experiências gastronômicas. Ele escreve normalmente na Gosto e, portanto, não será novidade para quantos acompanhem a cena gastronomica tupiniquim.

Patricia Jota, escreve sobre os vinhos da Puglia, confessando: “para mim, a Puglia e seus sabores são uma novidade”. Talvez por isso não cite o A mano, um dos mais interessantes vinhos da Puglia feitos com a uva primitivo.

Bom o artigo de Alexandra Forbes no Comida, sobre Heston Blumenthal e seu discurso em mesa redonda no Gastronomika, em defesa do uso da tecnologia em culinária. Contra o obscurantismo dos que acham que a tecnologia conspurca o bom, o belo e o agradável, Blumenthal lembra que, afinal, a prova dos nove é provar a comida.

Josimar dá conta do semi-funcionamento do Hecho en Mexico, cujo cardápio foi elaborado com a consultoria da mítica Lourdes Hernandéz. Quem já comeu da sua comida - na sua “casa dos Cariris”, onde desenvolveu um conceito extraordinário de hospitalidade, a par com uma cozinha sem igual na cidade - sabe que Hecho en Mexico é a chance de mais pessoas bordejarem esses prazeres. Lourdes ia ser sócia da casa. Não sei por que não aconteceu. Mas sei que os proprietários com certeza sairam perdendo, pois consultoria é um compromisso muito limitado.

Nina Horta especula sobre qual a tradição cultural mais importante: do chef ou da culinária doméstica? As duas, diz ela. Mas a sua resposta é rebuscada. Vale ler. Mas, onde foi parar o Luiz Américo? Faltou hoje.

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