06/03/2012

Estratégia de verticalização de restaurantes toma corpo

No domingo houve o Emiliano Market Day (foto), comandado pelo chef José Barattino, do hotel Emiliano. Na segunda-feira, houve o lançamento, no Dalva & Dito, da marca Retratos do Gosto e seu primeiro produto, um arroz diminuto produzido no vale do Paraíba.

O Emiliano Market Day reuniu fornecedores do hotel, sendo alguns grandes industrias ou comerciantes bem estabelecidos (Valrhona, Illy, Casa Flora, etc), além de outros de perfil bem artesanal, como a Família Orgânica e o Empório Poitara - este especializado em produtos amazônicos, fornecidos em São Paulo.
Retratos do Gosto pretende ser uma espécie de holding de pequenos produtores, sob a égide de uma marca alimentícia criada pela Mie Brasil (www.miebrasil.com.br), do empresário Gustavo Succi, em sociedade com Alex Atala. Um empreendimento desse facilmente fará gravitar no seu entorno uma série de marcas artesanais dispersas por ai. No processo de associação, o mini arroz é produzido pela empresa “Arroz preto Ruzene Ltda”, que abre mão da marca Ruzene, já bem consolidada em supermercados diferenciados, em favor da marca Retratos do Gosto. A próxima agregação será um produto dos chocolates AMMA.

Esses acontecimentos mostram um movimento vertical em direção aos produtores, mais do que uma associação horizontal, de afinidades entre chefs de cozinha. Coisa já verificada entre europeus, como evidenciam os trabalhos de René Redzepi e Andoni Aduriz - para citar as “vanguardas”.

Como diz a consultoria Baum+Whiteman, as tendências mundiais dos restaurantes para 2012 indicam que “mais e mais chefs sairão à busca por ingredientes locais ‘selvagens’, em contraste com a antiga ênfase nas tecnologias”. Trata-se de um triunfo, ainda que tardio, da pregação incansável do chef Santi Santamaria.

Para se diferenciarem, os chefs terão que mergulhar na cadeia vertical de fornecimentos, desenvolvendo produtores de acordo com seus desejos. Ainda no final de semana, tive oportunidade de conversar com Alberto Landgraf, do Epice, que me relatou a dificuldade quase insuperável que enfrenta para conseguir cambuquira - o prosaico broto da abóbora.

É excessivo esperar que os chefs, além de tocarem a cozinha de um restaurante, se convertam em organizadores da produção, em sitiantes por necessidade. Mas ou eles se ajustam à oferta - o que, segundo Barattino, é mais fácil - ou trilham esse difícil caminho de induzir a produção de algo específico.

É um certo exagero dizer que “o mini arroz é um arroz brasileiro e único no mundo, fruto da natureza do Vale do Paraíba”. Trata-se, sim, de um produto da seleção artificial desenvolvida por agrônomo do IAC (Instituto Agronômico de Campinas) em colaboração com um empreendedor, Francisco Ruzene, que já produz arrozes diferenciados no Vale do Paraíba.

Sem dúvida, da colaboração entre pesquisadores e produtores pode sair muita coisa boa, e infelizmente as políticas públicas não investem muito nessa direção. Dai ser extraordinário que um produtor se disponha a suprir parte dos investimentos que o governo não faz. Ainda assim, o IAC acaba de anunciar uma nova variedade de mandioca, mais saborosa e nutritiva, que em breve irá a mercado. Esta mandioca é fruto de 20 anos de pesquisas, isto é, de cruzamentos de variedades e seleção.

Mas a gastronomia é uma indústria essencialmente novidadeira e competitiva. Ninguém quer ser igual a ninguém. Mais e mais requererá produtos singulares, como mostrou a recente “corrida amazônica”. Primeiro foi o feijão “manteiguinha de Santarém”, depois a farinha de mandioca de Uarini, que chefs rebatizaram por aqui de “ovinha”, e assim por diante. E há, ainda, as pimentas dos índios baniwa, e outras coisas que ainda não aconteceram plenamente (como o queijo Canastra, de Minas Gerais). Produtos nos quais se misturam a natureza e o engenho humano. Como agora, nesse mini arroz feito pela seleção artificial por agrônomo já falecido, do Instituto Agronômico de Campinas.

Pela característica competitiva da gastronomia, sou um tanto cético em relação à iniciativa Retratos do Gosto que, além de uma empresa, aponta para “um movimento de chefs unidos em prol de pequenos produtores e alimentos melhores, remunerados de forma mais justa e digna”. Não vejo impulsos fortes e capazes de solidarizar os chefs, salvo para o enfrentamento de ameaças coletivas - como a classificação dos hotéis para o período da Copa e a posição subalterna em que o governo colocou a culinária brasileira. Mas espero estar enganado.

Já os “naturebas” talvez ainda se horrorizem com a seleção artificial, esse engenho humano que acompanha a evolução da nossa espécie há mais de 10 mil anos e acabou dando na transgenia.

Mas o fundamental é essa relação vertical nova que solidariza os elos da cadeia alimentar para que resulte em coisas úteis para nós. Houve época em que se selecionava tomates pelo formato, para que coubessem mais unidades numa caixa. Agora, com a demanda dos chefs, há que se privilegiar aspectos gustativos e estéticos no prato. É um avanço, sem dúvida. Portanto, é torcer para que essa moda dure o suficiente para imprimir diretriz duradoura para a produção.

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