Não é fácil imaginar o desenvolvimento da culinária amazônica. Ela é repleta de matérias-primas pouco usuais e, portanto, pode tomar inúmeros rumos, conforme as preferências desse ou daquele chef. Frutas e “drogas do sertão” (aromáticos) descortinam campos enormes de exploração.
A cozinha local varia muito naquele imenso território. Amazonas e Pará são estados que apresentam enormes discrepâncias culinárias, de grande valor investigativo. Até as espécies de peixes são bem diversas, responsáveis por preparações que pouco guardam em comum. A rigor, não existe uma “cozinha amazônica” como existe, por exemplo, uma sertaneja - apesar das diferenças locais dessa, ela é mais homogênea. Além dos peixes, a variedade de farinhas, a variedade do tucupi, tudo isso exige que façamos abstrações ao falar de “amazonia comestível”.
Se nos fixarmos exclusivamente na culinária do Pará, e mais particularmente de Belém, é claro que as “boieiras” do Ver-o-peso executam no dia a dia o que é de preferência popular. Nos poucos restaurantes mais sofisticados, o Lá em casa dá um panorama da ementa paraense conforme Paulo Martins a fixou e divulgou fora do Pará. Thiago Castanho, por usa vez, introduz uma linha mais centrada nos peixes e, para estes, um tratamento novo nos restaurantes da cidade: peixes assados na brasa e no forno romano.
A variedade de peixes nos restaurantes é pequena: o filhote, o tambaqui, o tucunaré e a pescada amarela. Peixes excelentes, não há dúvida, mas não nos dão sequer uma pálida ideia da diversidade e do repertório de uso mais popular. É verdade que o Lá em casa utiliza também o tamuatá, mas em preparação tão suavizante que mal identificamos a rusticidade e marca do seu sabor e cheiro (pitiú).
Outras coisas já são suficientemente preocupantes no repertório popular. As farinhas, feitas com variedades mais produtivas de mandioca, são brancas, e passam a levar corantes para ficarem com a aparência que os paraenses apreciam. O mesmo ocorre com o tucupi. E, como se não bastasse, por todo canto se identifica a utilização de um tempero industrial, à base de glutamanto monossódico, feito pela Ajinomoto: o Sazón. Nem o tacacá que se vende nas ruas escapa, como bem observou Mara Salles.
Assim, é provável que a culinária paraense de rua entre em declínio ao se modernizar. E que a culinária com pretensões gastronômicas decole sem aderência à primeira - usando mais e mais as amenities florestais. O cumaru, por exemplo, já dá mostras de estar definitivamente estabelecido, apesar de não usado na culinária popular. Trata-se de um divórcio clássico em nossa culinária. É esperar para ver.
17/04/2012
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1 comentários:
Dória, eu não sou de meias palavras, né? Tendo passado meses em Belém, indo em todos os restaurantes, bibocas, e barracas, posso afirmar categoricamente, não há "alta" gastronomia em Belém. Existem alguns restaurantes "gostosinhos", o Thiago Castanho é uma gracinha, mas serve mesmo é peixe grelhado com tomatinho cereja e rúcula, tentando fazer um tipo meio Figueira? Fraco...
Está tudo lá, os ingredientes são incríveis, a cultura local riquissima, mas falta um olhar inteligente e criativo para passarmos de um frissonzinho nacionalista a uma verdadeira "cena gastronomica". Uma pena. A melhor comida de Belém continua sendo o tacacá do Colégio Nazaré.
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