20/04/2012

Physalis: um curioso fenômeno de “identidade”



Comi physalis pela primeira vez, faz um bom tempo, no restaurante de nouvelle cuisine italiana de Gualtiero Marchesi, em Milão. Vinha, ao final da refeição, banhada em chocolate e envolta em fumegante gelo seco. Na mesma viagem, encontrei, nas margens do Sena, pacotinhos de semente da fruta, apresentada como “cereja do Havai”.

Plantada no sítio, em Bragança Paulista, depois de uns quatro meses lá estava a fruta, apoiada por espaldeiras, e o espanto do caseiro: “- Ah, mas isso é joá-de-capote! Tá cheio por ai!!” Me senti um perfeito pateta. E aos poucos fui me lembrando de que, quando menino, caminhava pelos campos com amigos mais "caipiras" do que eu que comiam os joás que encontravam - coisa repulsiva, pensava, imaginando que todos os joás fossem iguais ao joá bravo, semelhante a um jiló, que aprendi para nem chegar perto, por espinhento e venenoso; maldito fruto. Precisei ir à Europa para chegar ao interior da minha infância.

Saber ver, eis o primeiro ensinamento. E saber nomear, eis o segundo ensinamento. E sem saber nomear, quase nunca se vê.

Camapu ou joá-de-capote são nomes brasileiríssimos dessa fruta tão presente da amazonia ao sul. Agora mesmo acabo de conhecer um livro do Ministério do Meio Ambiente (Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial. Plantas para o Futuro - Região Sul, Brasília: MMA, 2011) onde aparece a Physalis pubescens indicada como fruta comum da América do Norte até a Argentina.

Me pergunto, então, por que o comércio insiste em apresenta-la como algo “internacional”, levando várias pessoas a acreditarem que se trata de fruto colombiano, como a pytaia peruana, se não me engano? Um grande produtor de flores e frutas, a Colombia “nacionaliza” as espécies exóticas que cultiva e explora mundialmente.

A história mostra que a “nacionalidade” de um ingrediente depende mais da sua ampla aceitação popular do que de outra coisa. Vulgarmente, achamos que a manga e a jaca são brasileiríssimas, como a carambola. Physalis, enquanto for mero elemento decorativo da culinária com pretensões gastronômicas, valorizado inclusive por ser “importado”, nunca será camapu ou joá-de-capote.

4 comentários:

Marbene de Araújo Bueno disse...

Olá, bom dia!

Como sempre, interessantíssimo esse blog.
Abraços!

Anônimo disse...

Boa noite! Já vi, mais de uma vez, o Marcelo Katsuki referir-se à fruta com o brasileiríssimo nome "saco de bode". ;)

Sou fã do blog, parabéns!

Paula Freire.

Giovani disse...

Joá-de-capote também fez parte da minha infância e nunca soube que poderia comer. Há dois anos atrás experimentei a geleia de physalis da casa valduga e até esse momento eu me perguntava se era aquilo que eu sempre via nos passeios no sitio do meu avô.
Joá-de-capote!

Tancredo Maia Filho disse...

Conheci este blog a partir do texto do Doria sobre carne de cavalo no Estadão de 17/02. E aí encontro este texto sobre um dos deliciosos frutos de minha infância em Cruzeiro do Sul, no Acre: o canapu, como lá chamamos. Lá temos a expressão "barriga de canapum" para os meninos infestados de lombriga, com a barriga lisinha que nem um canapum.
Parabéns pelo blog e pelos textos!

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