09/07/2012

Eu só quero chocolate?

Bastante interessante o evento Salon du Chocolat. Ao menos para mim, de extensa ignorância na matéria, foi muito instrutivo. Só ouvir Chloe Doutre-Roussel, especialista em chocolates finos, valeu o deslocamento a Salvador. Assim como assistir à conferência popular de Milton Hatoum sobre Jorge Amado.

Mas impressionante mesmo foi ouvir a voz das chamadas “classes produtoras”. Voz metálica, cortante como lâmina, de Guilherme Galvão, presidente da Associação dos Produtores de Cacau. Seu tema é um só: a remuneração dos fazendeiros.

Endividados na crise da vassoura de bruxa, ele busca uma explicação racional. Em primeiro lugar, diz, foram vítimas de uma conspiração: a praga teria sido levada propositadamente para as lavouras de cacau no final da década de 80 e, até hoje, os agricultores endividados não conseguiram quitar suas dívidas por falta de apoio governamental. Disse isso, aos berros, na cara do governador Jaques Wagner. Além disso, os preços internacionais não são justos.

Diferentemente de outros países, nossa legislação obriga a uma preservação excessiva da mata atlântica, o que responde por uma produtividade baixa por hectare. Considere-se ainda que “não usamos trabalho escravo nem trabalho infantil”, o que por si só deveria nos garantir uma remuneração diferenciada no mercado internacional de cacau. São ideias do presidente da Associação dos Produtores de Cacau.

O Sr. Guilherme Galvão é um batalhador, não há dúvida. Inventor do prêmio por trabalho assalariado, 124 anos depois da abolição da escravidão, é o líder das “classes produtoras”. Como um lider estudantil, repetiu seus argumentos em várias oportunidades, pedindo a palavra em debates que nada tinham em comum com o tema. E sempre foi aplaudido, nunca contestado.

Dá o que pensar. Como os diamantes da África do Sul, o chocolate parece vir a mundo banhado em dor e sofrimento. Os despossuidos não contam. Como num século XIX tardio, os “produtores” são, ainda, os capitalistas. Se pagam salários é porque são humanitários e renunciaram à escravidão. Alguém resmunga num canto que Ilhéus é a região onde mais tem "preto rico no mundo" (sic).

É difícil imaginar como a Bahia pretende conquistar lugar de destaque no mundo dos “chocolates finos” na esteira dessa mentalidade ruralista abjeta. A vassoura de bruxa não varreu o suficiente para um renascimento moderno. Aqui continua o fim do mundo. E, na estante, Cacau, de Jorge Amado, pulsa na espera de novos leitores.

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