06/12/2012

Os caipiras insistem em existir


Comida de ontem traz experiência interessante: uma edição monotemática, dedicada à reminiscência da cozinha caipira. Hoje ela nos é mais estranha do que a cozinha tailandesa que, francamente, não acredito que exista como nos apresentam. Já Paladar optou por um short drink, o negroni, na capa.

Não é a primeira vez que o tema “caipira” é visitado pela Folha. Agora, para pegar a pista desta cozinha, Comida reconstruiu um pouco os elementos imaginários, a partir do quadro Cozinha Caipira (1895) de Almeida Jr, em rápida análise que me encomendou fazer. Segue também o roteiro de Adoniran Barbosa pela cidade: “um roteiro bem paulista”, diz o titulo do texto bem escrito de Luiza Fecarotta. 

Melhor seria dizer “bem paulistano”, pois a diferença entre a capital e o interior caipira é enorme e Adoniran, com suas idiossincrasias italianas, bem expressa essa distância que vai isolando a mesa caipira à medida que o nhoque, a polpeta, o “sugo”, vão prevalecendo no gosto.

E os elementos de convicção sobre o “caipira” são tão fraquinhos que uma questão que volta, vira e mexe, é a fronteira entre as cozinhas mineira e paulista. A capitania de Minas Gerais foi criada em 1720, separada da capitania de São Paulo. Até lá era umbilicalmente São Paulo, e cria-la foi também duplicar a documentação oficial, estabelecendo um novo centro administrativo. Mas até hoje boa parte da documentação sobre aquele território só existe no Arquivo Publico do Estado de São Paulo. De vez em quando pesquisadores mineiros tem que vir a São Paulo “copiar” sua própria história...

Na culinária deu-se o inverso. Minas fez mais propaganda da comida comum que acabou expropriando a história dos paulistas e muita gente, até hoje, busca a fronteira imaginária. Diz uma professora do Senac que “a influência caiçara, com seus peixes e frutos do mar, é mais de São Paulo”. Bom, até conseguirem uma “saída para o mar”... 

Eudes Assis, que vem no litoral, conta da variante “cozinha caiçara”, peixe a secar no varal. Hoje, diz ele, os chefs preferem “oferecer a seus clientes um sofisticado cardápio mediterrâneo a levar à mesa um peixe assado na brasa enrolado em folha de bananeira”.  Cheguei a conhecer seu restaurante São Sebastião. Foi muito instigante. Mas os chefs sempre preferem o imaginário, como a cozinha tailandesa e a cozinha mediterrânea. Quem tenha lido o texto de Claude Fischler sobre o pensamento mágico e a cozinha mediterrânea achará essa afirmação verdadeira. Estamos, no momento, a organizar o imaginário sobre o caipira.

Nina Horta discorre sobre “Sabor mineiro ou sabor paulista?” Muito bom texto, rememorando a São Paulo onde conviviam mineiridade e paulistanidade numa camada de vida ombreada pelo desejo de empório Santa Luzia e Doceira Paulista e, depois, soterrada pela camada de sashimi. Mas ela acha que a velha cozinha do Vale do Paraiba “deveria ser a verdadeira cozinha paulista”. E no sábado, dia 8, pela manhã, poderemos conferir um pouco dessa hipótese, pois a CBN e o Comida patrocinam um debate gratuito no MIS, as 11 horas, onde estarão presentes Ocílio Ferraz, autor de uma bravíssima coletânea de receitas locais (A culinária no Vale do Paraíba), Jefferson Rueda e eu. 

A minha hipótese é simples: a partir do último quartel do século 19, a elite paulista, composta de fazendeiros e ex-bugreiros, trata de sofisticar seus hábitos olhando Paris. E olhando Paris, olha com desdém os hábitos da terra, a comida caipira. No século 21, quando o must é o diferencial local em relação aos demais lugares do mundo, ela volta a valorizar aquele passado que renegou. Então, me pergunto: essa coisa de “resgate” resgata o que? O velho orgulho dito quatrocentão? Precisamos escapar dessa equação. Vamos ver se a conversa ilumina a mina escura e funda, o trem das nossas vidas...

Josimar Melo, na mesma pegada caipira, resenha o restaurante Garimpos do Interior, lá da Lapa. Ele gostou bem mais do que eu, que não fui feliz com o porco na lata. Com ele, porém, comungo a opinião de que o pastel de angu é excelente. Vale uma visita para o leitor ver se se apega.

No Paladar, Neide Rigo apresenta a fÚba (é como se pronuncia) ou fuba, como se escreve, conforme nos foi  trazida por Ana Rita Suassuna a partir do ano passado, e é uma verdadeira novidade para nós, paulistas do milho. Trata-se do piruá de milho de pipoca moído, ou do milho torrado para esse fim (farinha). A comparação entre farinhas sertanejas, inclusive esta, foi explorada na última reunião do Centro de Cultura Culinária Camara Cascudo - C5, no Engenho Mocotó, sob batuta de Ana Rita Suassuna, coadjuvada ao fogão por Rodrigo Oliveira.

Paladar dá conta do tour que fez por aqui a Academia Internacional de Gastronomia, com estrangeiros se surpreendendo com formigas com abacaxi, no DOM. Visita liga-se ao trabalho persistente de Enio Miranda para ressuscitar a entidade no Brasil, que estava quase morta. Agora, ajudam-no Rosa Beluzzo e Ricardo Maranhão.

Uma omissão nas edições dessa semana é a respeito do Roda Viva com Alex Atala. Na bancada de entrevistadores era gritante a ausência de alguém do Comida. E o que Alex Atala disse realmente de importante é que um chef, ao fazer sucesso, deixa de poder estar à frente da sua cozinha para passar a viajar, atender a solicitações da midia, onde sustenta a sua própria grandeza. No entanto, os jornalistas ainda pareciam ve-lo como um chef comum, e eventualmente “em falta” com o seu público, em vez de considerar o novo Alex como um grande agitador da cultura culinária. Tentando sinuca-lo sobre a questão do preço na “alta gastronomia”, os entrevistadores se perderam num hobinhoodismo de salão. Mario Sergio Conti parecia ser o único a falar de um ponto de vista que, talvez, tivesse mais a ver com a curiosidade do público; e Alex se saiu muito bem respondendo a ele sobre a “alta” e “baixa” gastronomia - um preconceito tipicamente provinciano sobre o comer bem.

Vem chegando ai o Natal e o Reveillon. Um verdadeiro Rubicão para a imprensa gastronomica. Todo ano se atolam no pântano da mesmice. Vamos ver nos próximos números quantas vezes aparece o trio panetone-peru-tender.

Crédito:  foto cuscuz de Pedro Martinelli

2 comentários:

Anônimo disse...

Desculpe, Dória: Nina Horta falou (lindamente) sobre a entrevista do Atalla no Roda Viva... http://ninahorta.blogfolha.uol.com.br/2012/12/05/atala-na-tv-cultura/ (Será que foi só na edição eletrônica?) Abraços... Eliane

e-BocaLivre disse...

Foi só na eletrônica....

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