17/05/2013

A revirada na Virada Cultural - I



Não vou aqui repisar argumentos, mas acho que a Virada Cultural do ano passado, ao incluir os cozinheiros no Minhocão - meio marginais no espaço como é marginal o Minhocão - acabou despertando uma energia incrível no público, que criou o maior tumulto querendo experimentar comida da qual ouvia falar sem ter jamais experimentado. O caos, o carnaval, com tudo o que tem de criativo. Mas, depois do caos, vem a ordem.


O superintendente do Abastecimento do Município à época, José Roberto Graziano, entendeu o que se passava e criou um grupo informal para planejar uma “Revirada Gastronômica”, que seria em setembro. 

Ele queria ofertar infra-estrutura para 175 barraqueiros em vários pontos da cidade (Vale do Anhangabaú, Largo São Bento, Praça da Sé, Largo do Arouche...) para reunir uma amostra da diversidade da culinária paulistana. Haveria 100 barracas dos restaurantes formais; 50 barracas de comida de rua existentes (inclusive alguns informais); 25 barracas da turma que fazia “O Mercado”, liderada por Checho Gonzales, para ocupar a madrugada.

Os restaurantes seriam escolhidos por uma comissão mais ou menos ampla de gente que lida com gastronomia, contemplando várias especialidades (alemã, japonesa, italiana, russa, etc), tendo como principais critérios a história, a cultura, a diversidade e a qualidade. Alex Atala, que liderava a comissão, não dará as caras na avenida em 2013.

Mas, por que não deu certo? Porque houve um conflito político, envolvendo a direção do evento, disputada pelo Abastecimento e pela Secretaria da Cultura. Dai vieram as eleições e, como sempre, o eterno recomeço que consiste em partir da negação do passado, graças à mística do banho de votos renovador do poder e, quiçá, da razão. 

Além disso, Checho Gonzales mudou-se de mala e cuia para o Rio de Janeiro. Dos organizadores do segmento ficou apenas o Chef de Rua, que promove as feirinhas gastronomicas na Vila Madalena e obteve a permissão gratuita para montar seu negócio na Av. São Luis. Cada barraqueiro, em troca da barraca e alguma infra-estrutura, pagará um piso de R$ 3.000 aos organizadores ou 20% do faturamento, sendo que o controle da venda de vales será feito pela Chef de Rua.

Talvez o evento seja melhor do que o do ano passado, em termos de organização, mas será certamente inferior àquele que vinha sendo idealizado para ser uma “Revirada Gastronômica”.




A rigor, pelo que apurei, não há uma “programação oficial”, exceto a determinação dos dois lugares - a Av. São Luiz e o Largo do Tesouro - para a montagem de barracas. Mas constato que há uma segregação de restaurantes in e barracas populares entre os dois espaços, o  que, no meu modo de ver, é um retrocesso.

Retrocesso porque o aspecto mais importante no ano passado era o movimento que aproximava os chefs da “comida de rua”, dos comerciantes de comida perseguidos pela própria administração municipal que lhes nega o status de legítimos cozinheiros, visto que desde 2007 a Prefeitura não emite uma só permissão de operação. Status reconhecido em qualquer país europeu mas que, aqui, é sinônimo de clandestinidade ou “tolerância” conquistada não se sabe como.

Mas a Prefeitura lavou as mãos, de forma que teremos: a) um “espaço nobre”, com apenas 30 barracas dos chefs destacados pela midia, no elegante boulevard da Avenida São Luiz, organizado pela grife Chefs de Rua; b) um espaço “popular”, para a “comida de rua tradicional” (sic), que são o pastel, a garapa, o yakissoba, os churros, das 18h do sábado às 18h do domingo, anunciado pela para o “Largo do Tesouro” (Coordenadas:   23°32'53"S   46°38'1"W - incrustado no centrão, mas sequer aparece como tal no google maps...).

A crueldade de São Paulo é essa: a segregação espacial que espelha a segregação social e, claro, não poderia deixar de se expressar na culinária. A nossa gastronomia só parece gostar de “mistura” longe daqui, quando é do Peru... Deixada por si, reproduz os recortes da sociedade, e o poder público, que deveria corrigi-los, preferiu se omitir.

As turmas foram escolhida “com curadoria de Daniela Narciso, da KQi Produções, e do chef Jefferson Rueda, do restaurante Attimo, padrinho desta edição”; já no Largo do Tesouro serão servidas “comidinhas" (sic) por até R$15. 12 barracas servem ícones da comida da madrugada paulistana como, por exemplo, pastéis, cachorros quentes, espetinhos, caldinho de mocotó, sanduíches de pernil, yakissoba, hambúrguer, pizza em pedaço,  raspadinha e churros, entre outros”. Tudo com a mesma “curadoria”.

Desnecessário dizer que na São Luis todos ostentam o qualificativo de chefs. Veja publica o mapa da comilança. Já para o Largo, não há mapa, não possuem nome nem comendas. Comida para a tigrada corintiana. Pasteleiros e garapeiros da paulicéia, uni-vos! 

Carlos Augusto Calil, secretário municipal de cultura na gestão anterior, disse à época: “alta gastronomia é coisa para poucas pessoas. A imprensa deu uma superdimensão de evento de massa para um evento que não pode ser de massa. Então essa incompatibilidade tem que ser repensada para o ano que vem”. Certamente não foi repensada, e fica adiada para o próximo ano a lição de casa que a Prefeitura ainda não fez.

Sinceramente, penso que gastronomia é fruto da comparação. Só assim se educa o gosto; não segregando. Gostaria de tudo bem perto: poder comer o sanduíche de pernil ofertado no Largo do Tesouro, atravessar a rua e provar o “porco a paraguaia” do Jefferson Rueda, decidindo qual o melhor. Até por razões egoístas como a minha seria melhor a mistura.

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