03/08/2013

Por que voce não lê um bom livro em vez de ir a um restaurante caro e medíocre?


As editoras amargaram uma boa queda de vendas de 2011 para 2012: 35 milhões de exemplares a menos. O resultado é que as grandes - Cosac Naify, Companhia das Letras, Record - estão fazendo liquidações com até 50% de desconto nas redes de livrarias. É uma oportunidade única para se ler, comprar aqueles livros cobiçados, reencontrar-se com a cultura escrita, o lazer da intimidade.

Mas este fato não vai para a página 3 da Folha e, sim, o “debate”: Restaurantes brasileiros cobram preços excessivos? Convocados para escrever, dessa vez, são Paola Carosella e Jun Sakamoto. O jornal segue na sua estratégia de robinhoodismo, sobre a qual escrevi ontem aqui.

Os argumentos de ambos podem parecer razoáveis, dependendo das preferências do leitor. Jun acha que “o restaurante é um ateliê, não uma fábrica de produção em massa. O nosso trabalho são os detalhes (....). Os preços que cobramos são resultado da soma dos detalhes dos quais não abro mão”. Já Carosella acha que o momento atual “talvez seja o fim das mordomias, talvez seja o momento de o Brasil diminuir as diferenças de classe” e, por isso, acrescenta: “mudei o cardápio e diminui o número de mesas, a carta de vinhos e a equipe. Tirei o jogo americano de linho, as velas, troquei flores frescas por plantas em vasos e foquei o que realmente acho importante: o conteúdo no prato, a qualidade da matéria-prima, a estrutura da cozinha e a gentileza dos atendentes. Tirei a taxa de rolha, não tenho mais sommelier e tenho uma carta de vinhos de apenas 40 rótulos. O restaurante ficou menos caro e mais amável”.

Jun preferiu manter o seu negócio incólume e fazer, em paralelo, junk food: abriu a hamburgueria para aumentar suas rendas. Mas ele reclama mesmo é dos impostos, do custo Brasil, dizendo que quem tem dinheiro “está em Miami. Com a vantagem de que lá o cliente não sente medo quando sai para jantar nem precisa pagar manobrista”. Ele diz ter  “duas garrafas de champagne Krug  há quatro anos no estoque. Os clientes que as consumiam se mudaram para o exterior”.

Paola Carosella apresenta argumentos matadores sobre os menores preços de Paris: os restaurantes são pequenos “os chefe está na cozinha e o sócio, mulher ou marido, no salão. Os dois atendem 40 pessoas por noite. O cardápio tem uma ou duas opções, e é isso. De nenhuma outra forma seria possível cobrar preços justos e atender com eficiência”. Mas, em São Paulo, bistros se tornaram outra coisa: arremedos de “grandes restaurantes”, que vão se aninhando em shopping centers, sendo que os proprietários estão longe das cozinhas.

Cozinhar bem não habilita alguem a ser bom analista da crise atual dos restaurantes. É o que parece acontecer com Jun Sakamoto, pois podemos perguntar: por que raios o Estado deve abrir mão de impostos, financiar a expansão do “miamismo” que gosta de tomar champagne Krug em restaurantes? Não há nenhuma razão pública que sustente esse raciocínio.

Já Paola dá exemplo de como a consciência da oportunidade (“o momento demanda mudanças, tanto para nós, donos de restaurantes, como para nós, clientes”) faz toda a diferença: a criatividade transborda as panelas e re-arranja o intrincado social que é o restaurante.

Mas, e o cliente, o que deve fazer? Está visto que as opções de escolha vão surgindo, até mesmo por conta da crise. Talvez tendam a concordar com Paola: “sempre achei um tédio profundo toda a pompa em torno da alta gastronomia. Me surpreendi quando cheguei a São Paulo com a quantidade de garçons por mesa e o grau de exigência do cliente paulistano”. Esse grau de exigência que impõe sommeliers, taças de cristal, manobristas, etc etc. 

Mas os clientes só estarão dispostos a renuncias se souberem distinguir o que é o essencial e o que é o supérfluo. Para a turma da Miami nos “Jardins” o essencial é a Krug, o supérfluo talvez o que se serve no prato (tanto é que comem salmão, comem azeite trufado e outras coisas já sem sentido na gastronomia). Sobre eles a crise induz à histeria com os preços; sobre os que tem cultura culinária, exerce o benéfico efeito de separar o joio do trigo. 

Paola quis mudar seu restaurante quando percebeu que estava ficando caro. Seu sócios não toparam e ela se livrou dos sócios, pegou dinheiro emprestado e empreendeu a mudança necessária. Jun Sakamoto reclama que não conseguiu pegar dinheiro no BNDES, mas se esforça para ampliar a hamburgueria. Cada um é cada qual. 

E o leitor? Será que já aventou a hipótese de ler um bom livro (eles estão baratinhos) em vez de fazer uma excursão pela Miami paulistana? Comprar um quilo de uma boa carne, comprar uma terrine, abrir um vinho e investir nessa vida in door, da qual o fascínio  do brilho kitsch-chic e o dinheiro fácil do passado o fez esquecer?

16 comentários:

raquel disse...

Fiquei muito bem impressionada com a Paola. Palmas para ela. Se eu morasse em São Paulo faria questão de ir ao restaurante dela. Desejo muita sorte para ela!

e-BocaLivre disse...

Raquel, Paola é das melhores panelas de São Paulo. E se vê que, também, das melhores cabeças.

Patricia Schmidt disse...

Genial...Me encanta a forma que escreves, quando for a SP irei ao restaurante da Paola. O argumento dela é correto. De longe e com saudades de SP, sinto uma pontinha de vergonha alheia desta Miami Paulistana que descreves... =0)Um abraço,

Lerisson disse...

Onde fica o restaurante da Paola?

e-BocaLivre disse...

O Arturito fica na Artur de Azevedo, em Pinheiros, Lerisson.

Lerisson disse...

Obrigado! Agendado pra próxima peregrinação em SP! A cidade que a gente vai conhecendo e se apaixonando aos poquinhos! Abraço, ou como se diz na minha terra, um xero...

Luana Budel disse...

Eita professor! Tudo bem que você vai receber uns olhares assassinos por meter novamente o dedo na ferida.... Mas tiro o chapéu por expor tão bem a ziquizira deste "Miamismo" que acomete sp. Se bem que isso é uma síndrome nacional.

Realmente mais vale um bom livro e um jantar feito em casa com amigos queridos...

Marcelo Bastos disse...

Impressionante como essa Paola consegue, mesmo tendo um restaurante tão bom, manter tamanha lucidez!

Feraprumar disse...

Há público para os Arturitos e para os Sakamotos da vida....e quem pode falar são os que pagam a conta dos dois lados do balcão...
Não acho q Jun Sakamoto queira a "miamização" como vc sugeriu.. acho uma expectativa justa (segurança e impostos menores)e adequada.

Anônimo disse...

excelente!!!

Anônimo disse...

Sucesso, sucesso, sucesso, Paola vc é merecedora. Agora mais do que nunca é hora de mudança. Simplicidade não é sinônimo de má qualidade mas permite a possibilidade de um povo melhopr alimentado e não enganado. Continue nesse caminho que seus objetivos serão alcançados. Adorei.

Rita Medeiros disse...

Gostei muito da solução da Paola. Criativa e inovadora!! Um jeito de escolher caminhos que não sejam os de ficar chorando para depois morrer na praia. E seus artigos, Dória? Como sempre: em cima da mosca.

Marcelo Alves disse...

Sua análise é perfeita. Restaurante no Brasil não é lugar para se comer bem e sim para ser visto e se impressionar com as instalações.

Além disso, há algumas mistificações que devem ser esclarecidas, como por exemplo: a maioria dos restaurantes está enquadrado no Simples (inclusive muitos pertencentes a grandes grupos), pagando impostos totais de 8 a 10% do faturamento. Me parece pouco par justificar preços tão altos.

Outra coisa: os ingredientes usados nem sempre são tão caros. Alguém pode me informar como o Paladar da última quinta chegou a um custo total de R$ 20,54 para fazer um prato de Risoto de Ervilha do Piselli?????

Ainda assim sei que os restaurantes não são tão rentáveis como parecem. Precisamos é olhar para o que realmente faz diferença.

Bia Amorim disse...

Eu estou sempre passeando por aí, 99% das vezes a trabalho. Mas não abro mão de ter em minha casa o preço justo de ser bem atendida por mim e comer bem das minhas panelas. É preciso olhar mais para dentro! Como sempre, adoro seu ponto de vista =)

Paola disse...

Prezado Carlos, sou leitora do seu blog, e admiro o seu talento para interpretar e escrever, tenho até ciumes ( saudaveis ) da sua escritura. para mim é dificil, nao somente escrever como o fazer em portugues. muitas vezes quero comentar os seus textos e fico apenas na vontade...
Obrigada por ter reproduzido parte do meu texto no seu blog. é uma honra realmente que minhas palavras apareçam aqui.
um grande beijo. Paola

lcr.gastronomia disse...

Realmente, o cliente paulistano é engraçado. As vezes me sinto um estranho, ao deixar o carro na garagem e ir aos restaurantes a pé, de metrô, dispensar as entradas e ficar só no couvert e prato principal, as vezes com um vinho barato pra acompanhar a refeição. Sempre comento que um dos poucos lugares onde não me sinto desprezado por fazer isso é no Arturito, restaurante que frequento bastante. Outro dia, ao ver a Paola anunciando suas excelentes empanadas, perguntei via twitter se havia algum problema seu eu fosse ao restaurante apenas para comer as empanada, no que fui prontamente respondido por ela, dizendo que estava me aguardando. E estava mesmo, me recebeu, juntamento com minha noiva à porta do restaurante, nos levando a mesa. Levei um vinho, não paguei rolha, comi as excelentes empanadas e o ótimo couvert, que nos foi oferecido como cortesia. Paola, você e seu restaurante são sensacionais, quem dera mais alguns seguissem seus passos.

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