10/10/2013

Comer em casa versus pedir couvert & ameaça ao foie gras



Comida traz capa sobre “rotisserias”. Matéria de Marília Miragaia chama a atenção para esse fenômeno novo, que é a expansão das casas que fornecem refeições prontas para se levar. Dá alguns exemplos, desde o decepcionante Bologna (que reabriu lamentavelmente “igual” ao que fazia de uma culinária já cansada) ao entusiasmante Romã Armazém. Notável também a ausência do excelente Mesa III, de Ana Soares. Comer em casa é hábito que vai se consolidando na medida em que as alternativas de compras avançam. E, neste capítulo, há que se incluir também o crescimento do delivery de restaurantes estabelecidos.

Na página 2, Comida traz a foto do que parece ser uma amêndoa. Traz também a tabela nutricional da dita cuja. Mas não há legenda para a coisa, nem uma explicação para sua presença ali. Reforço-me na convicção de que falta profissionais no referido caderno. Como no caso da “tilápia-de-mar” da semana passada...

Alexandra Corvo resenha vinhos de Jerez. Excelente dica para os não-iniciados nos vinhos secos dessa denominação. Dos quatro finos que sugere, aprecio muito o Fernando de Castilla, que a Casa Flora vende a R$51,10 - nenhum absurdo, para o que “deixa os pelinhos do braço levantados” (sic). 

Já Luiz Horta fala sobre a “mineralidade” dos vinhos, coisa que muita gente jura existir: “Cada vez mais, uma nova pesquisa científica reafirma que a língua é incapaz de perceber as partículas minerais minúsculas contidas nos vinhos, a tão renomada, repetida e louvada mineralidade”. Terroir mineral? “É uma linda imagem. Provavelmente, apenas poesia”. Mas o foco da coluna são os vinhos “minerais” do Priorato.

O que os cozinheiros deveriam ler para serem melhores no seu ofício? O “cozinheiro que só lê sobre cozinha vai ser pior do que qualquer outro que seja mais curioso. (Falo muito isso, mas não sei de verdade se é verdade)”, escreve Nina Horta. 

Santi Santamaria dizia que cozinheiro simplesmente não lê. Em geral imaginam que tem um “dom”, e como dom é coisa divina, para que se informar ou refletir? A inspiração vem e acontece, acreditam eles. São místicos. E em boa medida pensam que a literatura culinária é feita de imagens. Os próprios livros de cozinha buscam nos convencer disso. “Ver”, e não “ler”. Dai, quando lhes cai em mão um livro como o 7 Fogos, de Francis Mallmann, pensam: “poxa, porque não pensei nisso antes?” Talvez porque Mallmann leia, além de cozinhar.

Acho que um cidadão bem formado, esclarecido, é melhor em qualquer coisa que faça, e a leitura é um dos caminhos para isso. O cozinheiro moderno não é apenas um operário alienado, mas alguém que almeja ser um “humanista”, falar sobre ética, etc. 

Por exemplo, a polemica que vai se instaurando por conta da tentativa de proibição do comércio de foie gras. Certamente o que está em causa é o avanço de um Estado totalitário, que “conquistou”(?) o direito de se imiscuir na vida privada, dizendo o que posso ou não fazer, e isso porque os cidadãos relaxaram no estabelecimento das fronteiras entre vida pública e vida privada. Quem acha que foie gras é só uma iguaria a que temos direito, ou que é sólido como uma “tradição francesa”, não está entendendo o que se passa. Não querem apenas assaltar a nossa mesa, mas os nossos direitos. O cozinheiro-cidadão, lendo, pode mais facilmente entender ciladas como essa.

E Paladar, que traz na capa o couvert, não se omite na questão do foie gras: traz também matéria sobre o projeto de lei que proíbe a sua comercialização - assunto sobre o qual o silêncio de Comida é gritante. Paladar indica a dimensão política da questão e a barganha na qual entrou: “o projeto tem boas chances de ser aprovado na Câmara. Isso porque, neste momento, o prefeito Fernando Haddad (PT), precisa que os vereadores aprovem o aumento do IPTU na cidade. Em troca da confirmação do projeto do prefeito, os vereadores devem exigir que seus projetos pessoais sejam aprovados em plenário, com acordo entre situação e oposição. A quantidade de projetos de lei aprovados é comumente usada como capital político na hora da reeleição”. 

Em síntese, vão nos tungar mais impostos e, como consolo, surrupiar o foie gras de nossas mesas. Isso se ficarmos inertes.

1 comentários:

Anônimo disse...

qualquer frango sadia é bem pior, só que claro, é mais fácil proibir foie gras que é uma ou duas fazendas e "é coisa e franceses cruéis", em vez de uma ultra corporação (não que eu acho que tenha que proibir os filé de plastico congelado)

Postar um comentário