13/02/2014

O milagre da deterioração dos peixes & outras transformações


Coisa rara, duas reportagens perseguem a velha dignidade do jornalismo, indo a campo. No Paladar, José Orenstein mostra as razões pelas quais não temos peixe fresco à disposição, no mercado paulistano. Marilia Miragaia, do Comida, foi à ilha do Combu, próxima a Belém, visitar o “chocolate” rústico que lá se faz.
I
Orenstein conseguiu até uma bela frase do ministro da pesca, Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal: “Jesus não multiplicou o boi, o frango e o porco. Multiplicou o peixe”. Deus nos acuda!
Esse ministério foi moeda de troca no jogo político justamente porque não se tem apreço algum pela pesca. Depois, o estado brasileiro anda apostando na criação de peixes, não na pesca. Assim, dá no que dá, conforme mostra Orenstein. Em contraste, depoimento de Rafael Costa e Silva mostrando o trabalho que tinha, no Mugaritz, para conseguir peixe fresco. Sem querer, acusa seus colegas de preguiçosos.
Nesse ano, o C5 - Centro de Cultura Culinária Camara Cascudo - e a universidade Unimonte, de Santos, promoverão evento para passar um pouco mais a limpo essa história do peixe. É aguardar.
II
Para você, leitor, o que é chocolate? Há milênios a palavra se refere a substâncias consumíveis onde o cacau é o ingrediente principal, mas não exclusivo. Há uma longa história do seu desenvolvimento moderno, partindo-se da bebida asteca até as barras às quais se acrescenta açúcar em vez de mel, além de aromáticos familiares aos europeus, em substituição àqueles mexicanos, como a pimenta, o urucum, etc. Mas o chamado “chocolate” da ilha do Combu é apenas cacau torrado e moído na máquina de moer carne, revela Marilia Miragaia. 
Pessoalmente não vejo graça nisso, mas Thiago Castanho e Alex Atala - que o utilizam - vêem. Dai uma certa notoriedade. Prefiro a exploração do cacau brasileiro como fazem a AMMA, a Chokolah, a Cacauway, para apenas citar algumas. O futuro do nosso chocolate esta na mão dessa gente, não da Dna Nena da ilha Combu. 
Assim como o “sorvete artesanal” não pode ser feito com pré-mix, o chocolate moderno é coisa elaborada que exige tecnologia relativamente cara. Para a utlização do cupuaçu, inventou-se a palavra “cupulate”;  para esse cacau moído em máquina de carne devia se inventar outra palavra, diferenciando-o do chocolate (na ilha de Saint James se vende algo bem semelhante, mais modestamente chamado cacao, e não chocolat). Um mercado consumidor tão pouco esclarecido como o brasileiro merece essa atenção, facilitando a compreensão das diferenças mais marcantes. 
Se você quiser saber mais sobre a história moderna do chocolate, não deixe de ler o texto de Marcy Norton, Chocolate para el imperio: la interiorización europea de la estética mesoamericana, disponível na internet.

1 comentários:

Constance Escobar disse...

Finalmente, alguém a jogar luz nessa história do "chocolate" da Ilha do Combu. Quando experimentei pela primeira vez, no Remanso do Bosque, achei estranhíssimo. A questão é essa: não é chocolate.

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