05/05/2014

Efeméride: o Karl Marx dos estudos sobre alimentação

Nascido em 5 de maio de 1818, Karl Marx é o verdadeiro fundador das ciências humanas e, nessa condição, seu pensamento patrocina o conhecimento sobre como a alimentação se articula com a totalidade da vida social.  Ele foi o primeiro a demonstrar que nenhum fenômeno humano pode ser explicado a não ser por referência ao processo de sua produção material.

É no processo de produção da vida material dos homens que todos os fenômenos culturais tomam forma e se apresentam como nos é dado percebe-los. Mesmo os fenômenos ideológicos - toda a vida simbólica - estão enraizados nesse terreno de produção material, por mais difícil que seja compreende-los.

Aqueles que se dedicam ao estudo da alimentação devem prestar especial atenção às condições de produção dos alimentos, num processo que se inicia na escolha do solo e termina na forma final do produto. Sem isso, detendo-se apenas nos aspectos simbólicos, como as práticas sociais relacionadas com o consumo, ou mesmo nos discursos sobre a “qualidade” do que se come (a gastronomia), não se chega a uma compreensão razoável.

Pelo método de análise inaugurado por Marx não tem sentido, por exemplo, imputar-se a algo a qualidade de “ingrediente”. As coisas naturais não são ingredientes, pois esta qualidade depende da posição que ocupam no processo de produção. Como ele indicava, produção é imediatamente consumo e consumo é imediatamente produção sendo que “o caráter de produto, de matéria-prima ou de meio de trabalho não se fixa a um valor de uso senão conforme a posição determinada que ele assume no processo de trabalho, senão conforme o lugar que ele aí ocupa e sua mudança de lugar muda sua determinação” (O Capital, cap. 5). 

Assim, a condição de ingrediente ou produto é intercambiável, e não depende dos atributos naturais da coisa. Isso é importante porque é grande hoje a tendência a se “fetichizar” o ingrediente, apresentando-o como coisa arrancada da natureza como se lá estivesse à espera do cozinheiro engenhoso. Há livros e livros sobre ingredientes que, analisados mais de perto, se vê que são produtos - e isso faz toda a diferença.

Na produção dos modos de vida, equivalentes à produção da própria vida através do trabalho, o homem se historiciza, diferenciando-se dos outros animais. E isto porque o seu trabalho corresponde a formas culturais de apropriação, radicalmente diferentes da “luta pela sobrevivência” no modo que impera entre os animais. O homem, ao contrário, tem em mente um projeto que conduz todos os passos da produção, inclusive utilizando ferramentas, que são objetos que produziu previamente inscrevendo neles uma finalidade.

É isso o que significa dizer que “comida é cultura”, como é usual entre nós mas muitas vezes reduzindo o processo aos aspectos simbólicos do alimento “pronto”. Portanto a análise da alimentação corresponde à análise das formas culturais de produção do alimento cujo consumo produz o próprio homem.

Marx e Engels analisaram também a fome, a especialização do consumo de batatas na Irlanda, e tantas outras situações alimentares críticas ao longo da história, a falsificação de alimentos, etc. Não lhes escapou sequer o registro sobre a insipiente indústria de fertilizantes e o grande futuro que lhe estava reservado, capital para as reflexões sobre a “sustentabilidade”.

Marx está, portanto, no coração do conhecimento moderno sobre a alimentação e se, nas universidades, hoje se dá pouca atenção ao seu pensamento, considerando-o “clássico” mas “ultrapassado”, outra razão não há senão os estragos provocados pelas ideologias anticomunistas e do liberalismo sobre o conhecimento humano de caráter científico.

1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

CA Doria, obrigado pela reflexão, muito própria para quem, como eu, está às voltas de um artigo sobre Produção Integrada, este controle de produção agrícola que leva em conta o processo de produção considerando o conjunto das suas determinações, seja sobre as condições naturais de produção, o modo de fazer, a relação com o homem na terra, no laboratório e no mercado.

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