24/07/2014

ADEUS A ARIANO

Difícil descrever a emoção ao ler o Romance da Pedra do Reino, ainda nos tempos de faculdade, quando procurávamos fervorosamente o Brasil. E este se dispunha para nós através de uns poucos livros: Grande Sertão: veredas, Romance da Pedra do Reino, Quarup, O país dos Mourões, Cangaceiros e Fanáticos, Homens e caranguejos - para citar os principais. E todos tinham algo de épico a nos contar; tinham o dom de roubar o sono, a paz.

Eram livros clássicos que hoje já não são mais. Resvalaram para aquela categoria de coisas citadas no vestibular mas que não conseguem habitar a imaginação das novas gerações. Aquele Brasil foi simplesmente abolido. Abolido da imaginação em favor de um Brasil real, que é um terreno onde se digladiam miséria e estatísticas de investimentos sociais, bolsa família, etc.

Ariano Suassuna remetia a um Brasil que era necessário trazer para perto, para a celebração cultural como antídoto a uma americanização galopante dos hábitos cotidianos. Ali nos anos 1970, quando o romance apareceu, vivia-se uma verdadeira inflexão. Surgia a idéia de um “Brasil grande”, corrompendo as convicções mais profundas sobre a singularidade de uma história dramática, é verdade, e inteiramente nossa. Mas se tratava de um Brasil, sabemos, que perdeu a parada.

Todos conhecemos o orgulho com que os espanhóis lidam a vida toda com Don Quixote - o seu “grande sertão: veredas” ou o seu “romance da pedra do reino”. Eles não existiriam no longo tempo sem o Quixote. E o que nos autoriza a crer que possamos existir sem os nossos Romance da Pedra do Reino ou Grande Sertão: veredas?

Um “clássico” literário é aquilo que tem o dom de ligar o passado, o presente e o futuro. Já não somos mais o país do futuro nem do passado. Vivemos a lenta corrupção das últimas fibras da alma nacional. Quem quiser se salvar que preste atenção à sua biblioteca como se visse sua alma no espelho.

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