17/02/2015

Hora de pensar grande a cultura alimentar do Brasil

Esse negócio de Lei Rouanet já era. O projeto de lei que “reconhecia” gastronomia como cultura foi arquivado, como não poderia deixar de ser ao fim de uma legislatura. Mas o movimento encabeçado pelo instituto ATA diz que não vai esmorecer e que “a luta continua”. Ficou o erro tático de desencadear uma campanha de vulto no apagar das luzes daquele projeto que pretendia ver aprovado. Mais importante: nesse ínterim o ministro da cultura veio a público dizer que, por ele, a Lei Rouanet já estaria enterrada. Não é de se esperar, portanto, que a coisa progrida contra a vontade do Executivo.

Tudo isso dá a impressão de que no centro dos nossos dramas modernos, na área alimentar, estão a permanência ou supressão desse mecanismo perverso de distribuição dos recursos públicos. Isso é andar de lado. Mas, em paralelo, parece que os interesses contraditórios vão dando as caras, o que quer dizer que é hora de pensar grande, maior do que pretendam facções.

Uma questão mais de fundo emergiu: o Estado deve investir no desenvolvimento da culinária (ou do que se chama gastronomia)? Não faz muito tempo se ouviu uma grita razoável contra o envolvimento semelhante na indústria da moda. E está claro que, para a cidadania, a coisa mais importante é direcionar os recursos limitados do Estado para aquilo que é prioritário para o bem público. A isso chamamos democracia.

Mas, no bojo da discussão, pôs a cabeça de fora uma certa “rede de cultura alimentar”. O que é ela? É um conjunto de movimentos, mais ou menos independentes, que procura recursos públicos para projetos comunitários de alimentação, distantes dos que parecem olhar a culinária como cultura em função dos seus interesses comerciais. Esta “rede” pressiona outros mecanismos do poder público, que não a Lei Rouanet, especialmente o Fundo Nacional de Cultura (FNC).

O fundo, que até o ano passado não tinha dinheiro, agora tem. E mais que a dotação anual da Lei Rouanet (que não consegue que os que demandam seus recursos captem efetivamente no mercado mais do que 50% do disponível). O FNC engordou porque passou a incorporar recursos expressivos do Fundo Setorial do Audiovisual.

É claro que os mecanismos de acesso são outros. Enquanto na Lei Rouanet o proponente submete seu projeto isolado ao MinC, que o aprova e autoriza a captação no mercado, os recursos do FNC são acessados através dos chamados “editais”. Estes são alocações de recursos em finalidades específicas, que os próprios editais informam. É um dinheiro da administração direta que financia projetos, sob a forma de contratos e convênios. O sujeito do processo é o Estado; na Lei Rouanet é o mercado - proponentes e empresas - que define com mais liberdade as finalidades do dinheiro público.

A diferença entre ambos é a filosofia: o Estado arca diretamente com os investimentos em cultura alimentar ou o mercado “escolhe” onde irá, de forma indireta, o recurso público. Liberais preferem esse último mecanismo; já os que acreditam na necessidade do discernimento do Estado preferem o FNC.

O Estado, contudo, não é onisciente. Bons “editais” dependem da aderência aos planos e projetos definidos como focos prioritários pelos agentes da sociedade civil. A representação desses no Ministério da Cultura está, ainda, engatinhando. O Plano Setorial de Cultura Alimentar ainda não está formulado e legitimado por todos os agentes expressivos desse campo. Para a sua operação, também deverá ser constituído um colegiado eleito. São passos e formas de internalizar no Estado os interesses contraditórios do setor.

Os que parecem mais afoitos - os que querem recursos “já” para realizar seus projetos específicos - não poderão se furtar a participar desse processo que, como todo processo público, exige paciência e dedicação.

Enfim, o que se exige de todos no presente momento é uma coisa só: generosidade. Não é do dia para a noite que o Estado acordará da letargia em que se encontra em relação à dinâmica da cultura alimentar.

A sociedade, por sua vez, precisa entender que nem todas as soluções requeridas sairão do Ministério da Cultura. A Anvisa, por exemplo, não está submetida ao MinC; o desenvolvimento da pequena agricultura também é assunto que passa ao largo desse ministério. Precisamos de um plano coerente - com começo, meio e fim - para o segmento da cultura alimentar e ele deverá impactar toda a estrutura estatal. Isso é mais estratégico do que determinar por que torneira sairá a água que irá irrigar o solo promissor.

1 comentários:

Breno Raigorodsky disse...

Carlos Alberto Doria para ministro da cultura alimentar!

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