04/09/2015

O que é "cozinhar por prazer"?

Em março, a GFK publicou resultados parciais da sua pesquisa global sobre “Cozinhar: atitudes e tempo dedicados à tarefa”. Cerca de 38% dos brasileiros dizem ter paixão pela cozinha, embora apenas 25% reconheça ter “grande experiência e conhecimento em culinária”. No entanto, não passamos em média mais do que 5,2hs por semana na cozinha. Os franceses, por exemplo, passam um pouco mais de tempo cozinhando, têm uma paixão menos avassaladora pelo cozinha (24%) e são mais modestos ao proclamar os conhecimentos culinários: só 20% deles acreditam ser bam bam bam nas panelas.

Os que mais “amam” a culinária são os norte-americanos, italianos, mexicanos, indianos, sul-africanos, indonésios. O maior “conhecimento” concentra-se na África do Sul, India, Indonésia; os que admitem maior “ignorância” são os coreanos. Os que mais tempo passam na cozinha são os indianos e ucranianos, ou seja, gente de uma cultura mais tradicional, visto que os franceses ou espanhóis “conhecem” cozinha em proporção que é menos da metade dos primeiros. Um mosaico bom para sociólogo pensar.

Indo ao caso do Brasil, vemos que cozinham por pura diversão 35% dos que cozinham todos os dias ou a maior parte dos dias. E são na maioria mulheres. Os homens cozinham por diversão em 15% dos casos. Já quando a frequencia é uma vez por semana, homens e mulheres apresentam uma taxa de 30%; e uma vez por mes, as mulheres 14% e os homens 15%. Os mais “apaixonados por cozinha” são os que estão na faixa de 40-49 anos; em contrapartida são os que passam menos tempo na cozinha (4,6hs), menos do que os jovens de 15 a 19 anos (4,7hs).
Fico imaginando que esse negócio de “cozinhar por prazer” é uma coisa excepcional, o que coincide com outra pesquisa, feita pelo Ibope anos atrás, quando 34% das pessoas diziam cozinhar por “conveniência e praticidade”, contra 23% que o faziam por prazer; 21% por razões éticas, de bem estar e sustentabilidade (a turma que come politicamente correto), e 23% por confiabilidade e qualidade (desconfiam da indústria).

A alegação de “prazer ao cozinhar” é o discurso dos gourmets. De gente que encontra nisso a razão de celebração com amigos, em finais de semana em família, etc. Isso não pode ser pensado como uma atividade em si, como o prazer por transformar matérias-primas em comida. É mais complexo.

Fico pensando no livro de uma autora fictícia, Rosa Maria, A arte de comer bem (Livraria São José, 1933) que ensinava as mulheres de elite a “bem receber”, sugerindo cardápios segundo o status do convidado mas, também, como arrumar uma mesa e discorrendo sobre todos os adereços que faziam parte dessa cerimônia. Picar cebolas, descascar batatas, eram coisas que podiam continuar a cargo das empregadas. “Receber” é muito mais do que cozinhar.

E lembro também de uma novela interessante de Marcelo Coelho, Jantando com Melvin (Imago, 1998), onde o cozinhar, que se erige no poder momentâneo dos anfitriões, é colocado como centro de um ritual perverso de destruição dos afetos. Enfim, sabe-se lá o que é “cozinhar por prazer”, ou o prazer que se constrói ao “receber”...

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