Publiquei em minha página no Facebook todas as matérias e opiniões relevantes sobre o trelelê entre o Instituto Atá e o governo estadual do Pará que resultou na extinção do Museu Casa das Onze Janelas. O que se conclui de tantas manifestações?
Em primeiro lugar, uma grande responsabilização pessoal de Alex Atala, inclusive com argumentos que fogem ao contexto em discussão (a “estola” de pirarucu, o camarão “explodido”…), demonstrando apenas seu poder de polarizar atenções. Apesar disso - é forçoso reconhecer - ele não teve qualquer responsabilidade direta no acontecido. Em todo o desenrolar da história, o Atá esteve representado por Roberto Smeraldi, que conduzia desde algum tempo a formação do Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade, congregando o Instituto Paulo Martins, a Ong Peabiru e a Ong Imazon como principais aliados.
Em segundo lugar, foi notável o oportunismo do governador Simão Jatene, utilizando o propósito desse grupo de ongueiros como a mão do gato para tirar a castanha do fogo: no caso, extinguir uma instituição cultural - a Casa das Onze Janelas - por razões que, ao parecerem simples capricho, não ficaram claras. Jatene cobrou o seu preço para bem abrigar a nova Ong gastronomica, mas a reação de indignação dos intelectuais paraenses obrigou o Atá a desfazer o negócio, deixando os parceiros locais ao relento.
Na sua “Nota sobre o Polo de Gastronomia e o Museu de Arte Contemporânea” o governo, ao negar a extinção do museu, deixa claro seu interesse no Centro Global de Gastronomia e Biodiversidade, pois o entende como oportunidade de “superação da pobreza e da desigualdade, em razão do crescimento do turismo” com esperanças de que, através dele, dê-se a “valorização e preservação das tradições alimentares paraenses, à integração com a academia, o fomento das atividades dos pequenos produtores de farinha, chocolate, açaí, entre tantas outras possíveis cadeias produtivas, proporcionando aos atores locais maior conhecimento e geração de renda. Gastronomia é cultura, e como tal é parte da nossa História”.
Resta saber por que seria necessário importar uma Ong para atingir essas metas, e se o Atá e seus parceiros caminhavam nessa direção. À primeira vista, não.
Na nota onde o instituto Peabiru se posiciona diante do trelelê, lê-se que o propósito que o motivava era “unir a academia, o poder público e as organizações da sociedade civil numa mesma entidade”. Atém disso, prega ele a necessidade de “amplo debate com a sociedade” e “o Centro de Gastronomia só faz sentido se as populações extrativistas e os agricultores familiares da Amazônia forem efetivos protagonistas de sua realidade; e como Centro capaz de realizar pontes justas entre produtores tradicionais e compradores, como as prefeituras da região, para a merenda escolar, restaurantes, comerciantes e o público em geral”. Nada disso aconteceu.
Segundo a minuta de estatuto do Centro, na qual Roberto Smeraldi pré-figura-se como Diretor Executivo, ele seria uma autêntica agência de desenvolvimento, tendo como eixo a “gastronomia”, habilitando-se como Osip visando identificar e captar financiamentos, celebrar convênios, participar de outras pessoas jurídicas “com ou sem fins lucrativos”, gerência atividades econômicas que visem a geração de recursos para o próprio Centro, “tais como restaurantes, escolas, lojas, estruturas turísticas, websites, merchandising e outras”. O conselho de administração do Centro seria integrado por entidades convidadas e “3 membros representantes do Poder Público estadual”.
Ora, uma instituição com tamanha pretenção é natural que desperte desconfianças locais, provocando inclusive rejeições preliminares. Além dessa aliança explicita que se buscou com o governo do estado, é difícil identificar quais as outras ações visando comprometer players locais. O projeto não foi capaz de atrair os mais óbvios: como se pode pensar algo de envergadura em gastronomia paraense sem contar com o apoio e participação decisiva de Thiago Castanho, por exemplo? E como se pode pretender ter a colaboração de instituições científicas ao se deixar de fora o Museu Goeldi? Isso sem falar de lideranças ativas como Tainá Marajoara…Enfim, a engenharia social comandada por Smeraldi esteve longe, até agora, de mobilizar agentes decisivos para uma empreitada dessa envergadura. Em poucas palavras, está longe de “unir a academia, o poder público e as organizações da sociedade civil numa mesma entidade”, conforme expresso pelo Instituto Peabiru.
Talvez por isso mesmo, o Centro deu a impressão de uma plataforma espacial, carregada de paulistas, que pretendia dizer como desenvolver a gastronomia local…Ora, isso só teria sentido se os agentes locais não tivessem qualquer idéia do que fazer para atingir os objetivos perseguidos. Não é o caso. Existem muitos estudos e projetos capazes de direcionar os esforços públicos e privados em prol do desenvolvimento agrícola e alimentar que favoreça as populações tradicionais. Não é preciso inventar a roda, e seguramente o Centro seria bem recebido no Pará se explicitamente se comprometesse com uma agenda assim definida. Mas o Atá não se apresentou assim, e até mesmo invocou o modelo do “mercado dos biomas no mercado de Pinheiros em São Paulo”, o que - diga-se de passagem - está longe de constituir um exemplo meritório na medida em que vai favorecendo, paulatinamente, a transformação de um tradicional centro de abastecimento numa praça de alimentação onde até a venda de pizza tornou-se motivo de celebração… Poderíamos, então, temer que o Ver-o-peso viesse a ser também descaracterizado.
O que está em questão, me parece, é a política de “onguização” das pautas sociais. O Pará nos deu oportunidade de pensar esta “solução” de modo global.
Voltaremos ao assunto.
3 comentários:
Caro Dória, o debate é mesmo mais profundo, os oportunistas estão sempre de bubuia, e não apoitam e, quando o fazem, escorregam no liso do miriti e, pior, nem rendem homenagens aos seres encantados, porque não os sabem... Há o apreciável conjunto de atores locais capaz de levar boas ideias adiante desde que, de forma transparente e democrática. E o Centro de Gastronomia é uma boa ideia desde que o caldo seja conjunto multiespeciarias e multicultural
Dória. Bacana seu ponto de vista. Respeitoso. Coerente e ainda não concludente, sobretudo porque o imbróglio permanece. Dias atrás, conversei com Joanna Martins e Val Sampaio, a fim de elucidar o que ponderam dois dos ene lados da mesma moeda. E adicionei ao molho azedo do tucupi um fermentado de poréns do Governo do Pará e de Atala e mais. Está publicado em Diálogos Comestíveis (www.dialogoscomestiveis.com.br). Joanna e Val são polos. Não gastronômicos, mas idealistas e igualmente bravios. O Governo do Pará uma incógnita cheia de boas intenções. Ata, idem. Olhar o Brasil pela porta do Norte é super. Mas a gente não pode é nem deve selecionar portas num país continental e, assim, resumir um território tão vasto a região ícone. Você já desfilou palavras precisas em artigos e crônicas neste sentido - grosso modo, aqui pra resumir, de que uma cultura gastronômica orgânica sempre caduca na medida em que o gosto for reinterpretado e revisitado ( ou cozido) conforme os saberes. Não sei no que essa história dará. Temos também pelo Ver o Peso. E torço pra que o melhor aconteça. E não pelo esforço bandeira, mas pelo esforço nação. Afinal, o que é o Polo? E por que cargas d'água sucumbir a um mungunzá e não, como deveria ser, a um cozido gostoso de intenções parrudas e saborosas? Tá na hora de unir - e não disputar rincões, né não? Obrigada pelo seu texto!
Boa.
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