De repente me ocorreu que nós, sociólogos e antropólogos, estamos cometendo um erro de análise ao centrarmos na emergência da figura do chef de cozinha o fenômeno verdadeiramente novo no campo da alimentação. É como se fossemos prisioneiros do marketing que se gerou em torno dele. Não atentamos para o fato de que, no mesmo movimento, projetou-se a figura da nutricionista (a maioria quase absoluta da profissão).
Um “casal”, no sentido tradicional, cuida da alimentação moderna. Um “princípio masculino” e outro “principio feminino” capturam o comer, procurando toma-lo parte de uma totalidade. Busca-se comer bem (o bom) e agradável (o belo) ao mesmo tempo. Uma totalidade que, num mundo esfacelado, só pode ser composta pelos sujeitos isolados e em cada ato alimentar. Um triângulo - uma espécie de “sagrada família” - se forma pela ligação que o comedor estabelece com esses dois princípios polares.
É como se a sociedade houvesse estabelecido uma nova divisão social do trabalho no plano simbólico. Pouco importa a consciência que se tenha a respeito disso, bastando perceber que ela tem certa regularidade e um modus operandi.
Desde Escoffier a masculinizarão dos gestos culinários aparece como virtude e vantagem face à tradição; desde Kellogg, a nutrição reveste-se de um sentido de “cuidar”, de natureza física e moral. Se ambas as esferas se separaram foi por conta da incompatibilidade entre hedonismo e cientificismo no século XIX. “A gourmandise é a ruína de uma nação”, dizia Kellogg fundamentando a sua visão ético-política. A nutrição, hoje, se propõe salvar o sujeito dos seus próprios maus hábitos, adquiridos ao longo da vida; a gastronomia, da mediocridade do comer na sociedade industrial. Ao contrário das sociedades tradicionais, onde a divisão sexual do trabalho se resolvia no próprio produto, hoje ela só pode se resolver no prato - no ato eletivo do que comer.
Mas a vida moderna torna sempre crítica, e incerta, a escolha. A multiplicação de opções na época da produção em massa propagandeada aos quatro cantos requer, do comedor, um conhecimento da comida de que ele sozinho já não é detentor. Segundo a sua “escolha” individual é que ele procurará se esclarecer junto ao chef ou à nutricionista, pois ambos reforçam suas convicções. As infinitas dietas que se multiplicam também buscam conciliar o inconciliado. Não é à toa que tanto se muda de dieta, conforme as fases da lua… A busca é mais forte do que o achamento “para sempre”.
Ver o real desse ângulo hipotético não há de ser ruim, afinal a cultura já não oferece mesmo a visão integrada do hedonismo e da saúde, conforme esses profissionais oferecem de modo independente e, muitas vezes, antagônico. Essa unidade contraditória talvez tenha maior poder explicativo.
É sintomático que os chefs ensaiem um discurso sobre o que é "bom" enquanto nutricionistas reafirmam que o comer regrado não precisa ser um sofrimento. Ou que as embalagens de chocolate, esse "pecado natural", digam que ele contem selênio em abundância...
É sintomático que os chefs ensaiem um discurso sobre o que é "bom" enquanto nutricionistas reafirmam que o comer regrado não precisa ser um sofrimento. Ou que as embalagens de chocolate, esse "pecado natural", digam que ele contem selênio em abundância...
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