Em novembro do ano passado comentei aqui o Premio Paladar. O fiz sob a forma de um “voto em separado”, já que não era jurado. Depois, seguiram-se algumas observações críticas de outros blogueiros amigos e ensaiou-se um debate em torno do verismo do premio.
O premio de 2010 não difere muito daquele em virtudes e defeitos. E acho sempre inútil enfrentar juízos sobre pratos. A gastronomia é isso: o reconhecimento do que apraz aos sentidos, sendo que a subjetividade é que resume as formas de sentir e valorar. Não existe como garantir que algo seja agradável para alguém que não eu mesmo. Esse o valor do voto. A “estética” do agradável é distinta da estética sobre o belo. Por isso mesmo, certas categorias de análise que são utilizadas também não conseguem me dizer coisa alguma: o que quer dizer que algo tem "notas de" x, p, t ou ó? Nada...
Mas, olhando com vagar a publicação que resultou do premio, outro tipo de reflexão é possível, visto que estamos agora no domínio literário.
Em primeiro lugar, o júri popular não pareceu ter efeito tão devastador como alguns esperávamos. Afinal, foi dado a ele uma missão bem modesta: qual o melhor hambúrguer da cidade – resposta à qual sou indiferente. Perto de minha casa (eis o meu grande critério gastronômico para hamburguers!) o melhor é do 210 Diner e não vou abandoná-lo porque os populares me sugerem o Hamburguinho.
E o júri de leitores? Bem, o Sandro escreve bem (e isso importa muito, parecendo mesmo que foi critério decisivo de escolha dessa classe de jurados) e gostei também das opiniões do Pinsky.
E a Blitz? A idéia é boa, mas a realização foi sofrível. Afinal de contas, qual o valor de sair um bando de blitizeiros a provar pizzas e me voltar com a opinião: a melhor é a marguerita do Braz? Numa cidade onde há milhares de pizzarias, meia dúzia de pizzarias óbvias - porque do gosto da classe média “dos jardins & arredores" - parece coisa de gente preguiçosa. Mas quando se vê a segunda escolha – a rabada – e ganha aquela que tem osso, pois as outras são “rabo, mas não rabada” (a essência da coisa é o osso?), então se vê que a Blitz estava atrás não do melhor, mas da tradição. E foi movida também por idealismo, não por realismo: “não encontramos o nhoque perfeito, com textura e sabor ideais”. Senhores e senhoras, o que é isso???? Sugerem ao leitor a greve do nhoque?
E o pato, então? O do Le Jazz é mesmo bom. Mas, e os patos chineses da Liberdade? Não fazem parte do ideal culinário dos blitzeiros, assim como o nhoque real não lhes toca o ideal?
Depois, de importante, temos as escolhas de entradas, vegetariano, massa, peixe e frutos do mar, oriente de cá, oriente de lá, laboratório paladar, carne suína, sobremesa.
A entrada escolhida consagra a moda do ovo pochê. Boa opção política, quando essa forma de apresentar o ovo sofre ameaças da inspeção sanitária municipal. Já o vegetariano de Helena Rizzo é forçar a barra. O prato é ótimo, mas “vegetariano” é uma ideologia que não preside a elaboração de todos os pratos onde não entram carnes – como esse. O Paladar quis ver “vegetarianos” fora do universo veggie. Não me parece que seja um critério que nos leve longe.
Nas massas, venceu a mezzaluna de leitoa. O que me intrigou nessa escolha é que o picci do Tre Bichieri e o ravióli de coelho do Picchi não tenham levado um só voto. Votos meus levariam.
Peixes e frutos do mar? Ganhou o arroz de lula do Mani. A Helena é mesmo cozinheira da pá virada e vai se firmando no gosto paulistano, já sem aquele “ranço de vanguarda” espanholista que viam nela. A anchova do Arturito é muito boa também; mas a arraia do DOM é um prato já antigo, não precisava estar nessa disputa; a Plancha del Marinero do Don Curro? Nem se fala...
As escolhas orientais sinceramente não saberia avaliar. Claro que a casa Garabed me parece superior às demais listadas; assim como o Jardim Meio Hectare é o meu preferido. Mas estou longe de ter uma visão abrangente do oriente, seja de cá ou de lá...
Laboratório paladar me tocou mais, pelo óbvio interesse que tenho. Das coisas ali listadas, tidas como “uso inteligente de ingredientes brasileiros”, faltou um pouco mais de rigor na definição. As vieiras do Emiliano entraram por que? Pelo adereço do chuchu? Parece que essa parte da premiação deveria celebrar a criatividade acima de tudo (“uso inteligente”).
Não é o caso do chibé. Ele foi apresentado a São Paulo por Dna Brazi. Ela mesma o ofereceu no Tordesilhas. O fato de ter sido decalcado não o torna o melhor produto de quantos foram listados para avaliação pelos jurados; nem mesmo faz sentido o nome “farinha ovinha” que não existe no léxico amazônico. Trata-se da farinha do rio Uarini. Enfim, um remake de uma tradição que não chega, a meu ver, a constituir uma criação, como ravióli de palmito pupunha (Dois – Cozinha contemporânea) ou a moqueca de legumes com arroz de coco (Brasil a gosto). Aliás, por que esses dois prato não concorreram no capitulo “vegetariano”? Qual o meu critério? O “uso inteligente” dos ingredientes criando pratos que, até então, não existem. E com ingredientes brasileiros. Mas, repito, é o meu critério.
Os “suínos” tiveram, nesse ano, o enriquecimento do javali. Foi bom que haja ganho esse animal, tão pouco explorado. Mas os pratos do Ici e do Le Jazz também são ótimos, o que prova o quanto de “injusto” é um premio com um só podium por categoria...
Por fim, as sobremesas. Do meu ponto de vista, todas bem bacanas. Mas das plagas do Atala faltou, por exemplo , o excelente babá au cachaça e baba de moça (Dalva & Dito) – bem superior ao bolo de fubá. Mas, como se inclui algo a ser degustado?
O bom mesmo da revista é, além do menu que cada dono de restaurante sugere no seu próprio restaurante (mas não precisavam dizer dos vinhos que harmonizam!) - o que sugere um novo modelo para os guias que abundam na praça – a seção Despensa. Esse é o tipo de serviço que faz falta, que precisaria ser estimulado nas várias publicações e que, com certeza, cresceria de modo inusitado na cidade onde pouca gente sabe onde comprar iguarias fora do Mercado Central, do Sta. Luzia e do Sta Maria.
Por fim, mas não menos importante: ano passado registrei dois problemas que via no Premio Paladar:
1.o recorte geográfico (e, portanto, de classe, numa cidade cujo espaço é altamente segregacionista) dos 35 restaurantes escolhidos;
2.as categorias de análise dos restaurantes.
Queria frisar que, de novo, o recorte geográfico continua sofrível. Veja o caso das pizzas. Será que acreditam que só exista vida inteligente/saborosa nas pizzarias que escolheram entre as milhares que existem em São Paulo? Foram dar uma olhada em Santana, no Tatuapé? Well...
E o interior do Estado e seu litoral? Eudes está fora do universo elegível por que? Em Campinas, Piracicaba, São José do Rio Preto, Campos do Jordão e assim por diante não existem culinárias dignas de observação?
Seria de todo positivo que ampliassem o horizonte para 2011. Mãos a obra, senhores, senhoras e senhoritas!
13/12/2010
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3 comentários:
Doria, assino embaixo. Gostei demais da sua crítica. No que se refere aos embutidos indicados, adicionaria mais uns tantos, assim como aos locias de compra de vários ingredientes que aqui não aparecem.
Parece mesmo que a mão do editor - mais do que a pesquisa jornalística apurada - está presente demais nas escolhas e nos critérios.
abs
Mais uma vez, um post que vem com perfeição de encontro à minha opinião, parabéns!
Nada ou pouco a acrescentar, salvo pelo fato de que tive a oportunidade de ler,ainda em fase de pre seleção, os textos concorrentes(sim , li todos os quase 500) e com raras exceções passavam longe da proposta sugerida pela equipe Paladar para a seleção dos jurados(que até então seria apenas 1 ). Finalizado o prêmio, e sem saber exatamente o critério usado para a escolha dos tais jurados, decepciona e chega a irritar o excesso de floreiros e metáforas usados pela Alessandra Labaki e demais participantes, vez ou outra.
Critérios, sempre eles!
A seção Despensa foi a que eu sempre senti falta. Pois num caderno que trata em parte da cultura da alimentação, fazer um guia só de restaurantes é apenas metade do caminho.
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