07/02/2014

Vem ai a rua chic


Na minha modesta maneira de ver, a democracia, em São Paulo, passa pela reconquista dos espaços públicos por todos. As ruas especialmente, que assumiram a feição de corredores de carros, não de locais de interação entre os cidadãos.

Fez parte da luta por essa reconversão a reivindicação pela legalização da comida de rua.  Essencialmente, a Prefeitura parar de perseguir os vendedores ambulantes de comida. E eis que, recém-eleito, o vereador Andrea Matarazzo apresentou um projeto autorizando a comercialização de comida nas ruas.

Já analisei esse projeto e não pretendo voltar a isso. Só quero acrescentar que, completo esse ciclo, o que observamos é que a rua ficará chic, e não necessariamente democrática. 

O Guia da Folha de hoje traz a relação de várias iniciativas que se beneficiarão da medida, levando para as ruas uma culinária de classe média, bem estabelecida na cidade. Nada contra isso, claro. Teremos (como exemplo): Me gusta, Gelato Boutique, Astor Truck Bar, Buzina Food Truck, EATinerante, Fichips,  a turma dos Rolando (massinha, doguinho, churrinho) e vem por ai até o Food Park, ao gênero do Mercadinho chic, Chefs na rua, O mercado

Que estes empreendedores conquistem as ruas é meritório. Mas, involuntariamente, lançam uma cortina de fumaça sobre a situação dos vendedores tradicionais de comida de rua, que amargam a situação de "clandestinidade".


A legislação aprovada mostrou que não se constitui numa oportunidade para a comida de rua tradicional. Haverá um controle das administrações regionais sobre essa atividade e a aprovação (o Termo de Permissão de Uso do espaço público) dependerá de uma comissão a ser estabelecida em cada uma delas, com representantes da vigilância sanitária, do CET; uma burocracia enorme e, é de se supor, uma alta dose de arbítrio.

Você, de sã consciência, acha que aquele camarada que vende pequi nas esquinas do centro, ou vende mandioca em carrinhos de pedreiro, bolo, pastel ou queijo da Canastra, conseguirá se legalizar? 

Francamente, não acredito. Teremos então duas cozinhas de rua: a chic, a pobre; New York versus Marsillac. E enquanto isso todos nós admiramos a grandiosidade popular do Mistura, em Lima. Qual será o segredo peruano?


2 comentários:

" MARY DOCES & BOLOS " disse...

É algo Paulistano e de hiper metropole, comida de rua no Brasil "sempre foi "uma alternativa mais barata de comer fora de casa, em salvador um acarajé de R$3,50 serve como uma deliciosa janta para o trabalhador que retorna de casa cansado. EM São Paulo o objeto é outro, "chefs"que não tem condições financeiras de montar um restaurantes, querem praticar um "älta gastronomia" para uma classe media. Pagar R$20,00 reais pois um pão com carne e nomes glamurosos em italiano ou em inglês, lembra em muito o nosso buraco quente servido nos butecos que tem valor máximo de $4,00 reais. Até o nome do movimento Food TRucks é para agradar o publico alvo, como dizia um nobre cantor de forró, esta tudo AMERICANIZADO.

pedrhenriq disse...

Gostei muito do comentário. Apesar de ser um consumidor dessas experiências gastronômicas que surgiram recentemente na rua - sobretudo por uma questão de preço - também vejo com receios o que poderá se transformar a comida de rua se sua implementação for da forma como descrita no projeto original. Só que o prefeito vetou a criação dessa Comissão de Rua, assim como vetou os artigos que tratam da duração do termo de permissão de uso, sua duração por apenas 2 anos, renováveis a mais dois, entre outros detalhes. Por conta disso, me parece que os principais detalhes do projeto foram retirados e ficaremos dependendo da regulamentação. Como alguém que apoia a atual gestão na prefeitura, mas sem ufanismos, acredito que ainda se está num contexto pra evitar justamente essa criação da cozinha chique e da cozinha pobre.

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