30/11/2009

Sobre democracia e gastronomia

Você acha que a verdade possa nascer do mercado? A revelação do “bom” e do “belo” pode resultar de alguma enquete? O que vale a opinião pública em termos gastronômicos?

Todo mundo tem na vida o seu momento “filé alpino” da Taverna do bugre; de “polpetone” do Jardim de Nápoles; assim como de nutella ou de leite condensado. A que nos leva elogiar isso? A nada, pois não é gastronomia. Nem existe a “Baixa Gastronomia”. O termo serviu para denunciar a boca torta dos que falam em “Alta Gastronomia”, mas sem conceitos claros não se chega a parte alguma.

Sob o império da economia política, o mercado é o lugar da veridição. As relações que brotam dele são “justas” pela própria maneira que se constituem, através do enfrentamento das diferenças que se resolvem em “equivalências”. O jogo econômico é um jogo de “soma nula”, sempre equilibrado. Diferente era a veridição que se baseava na imposição da “justiça” pelo Estado, como no período anterior ao triunfo da economia política.

O mercado de opiniões não é distinto. Uma opinião é igual a outra e elas se distribuem de várias maneiras, inclusive modal. Mais que a média, a moda é a medida que revela aquilo que o mercado “quer”.

Em gastronomia, qual a relação entre o “querer popular” e o belo? Acredito que nenhuma. Gastronomia não tem relação direta com democracia, com a opinião média ou modal dos consumidores. A gastronomia está mais ligada à ruptura dos consensos do que à sua formação. Ela indica mudanças de qualidade. Por isso acredito mais no papel do dissenso crítico do que na afinidade da crítica com o gosto geral.

A crítica que não enfrenta o gosto dominante se apequena. Ela precisa estar do lado dos chefs que ousam, criam estranhamento, vão contra a corrente – coisas que o comum dos mortais nem sempre percebe. Por isso ela precisa ter conhecimento, especialização, critérios sobre a direção que a inovação deve seguir; reforçar a pequena centelha que, no futuro, possa iluminar o todo. Se ela se guia pelo mercado de opiniões, torna-se um instrumento da mediocrização, de morte da gastronomia ao sugerir sua submissão ao “gosto geral”.

Há vários caminhos para romper o consenso fácil: mostrar coisas tradicionais que estavam “escondidas”; chamar atenção para o primor do trabalho encerrado em coisas que parecem simples; apresentar o experimental inovador e assim por diante. Sempre precisaremos de quem nos informe sobre isso e analise o seu significado.

E a democracia? Só posso pensá-la como a possibilidade de, cada vez mais, um número maior de pessoas se acercar daquilo que, ao romper o consenso gustativo, encerra uma experiência prazerosa. Democracia gastronômica depende mais da economia do que da crítica.

1 comentários:

Claudia disse...

Então gastronomia não é resultado da cultura e dos hábitos e gostos de um povo porque gastronomia é o belo e não o querer popular?

E a crítica gastronômica é pequena ao render-se ao gosto dominante? Mas tudo bem se ela, a crítica, não passar de uma instituição subserviente, submissa ao gostos e escolhas da classe dominante?

Jura que tudo bem ser subserviente aos gostos e sabores da classe dominante mas não ao gosto dominante? Está combinado que a maioria não tem inteligência gastronômica e nada a ensinar além daquilo que ela deixou para trás e o tempo esqueceu? O negócio é sentar e esperar que a gastronomia dos chefs venha nos resgatar (nós, a maioria de gosto dominante) e aos nossos sabores tradicionais, esquecidos, simplesmente porque temos o hábito estúpido de seguir as modas da classe dominante e deixar o nosso gosto tão convencional para trás?

Se nós perdermos a cabeça, a gastronomia, a gastronomia dos críticos, nos leva de volta a nós mesmos. Gastronomia e sua crítica então são uma espécie de consciência, a consciência que não temos, é isso?

Da democracia só precisamos então que ela ofereça mais dinheiro ao pobre povo para que ele, enquanto maioria, possa consumir mais e assim sair do consenso, aderir aos gostos indicados e criados pela elite que comanda a gastronomia.

O que se quer então é que o consenso pegue o elevador para o andar de cima, que vire classe média, condição em que se vê forçada a provar que ascendeu e deixar seus gostos e sua cultura pobre e deseducada para trás.

O que se quer é que o gosto dominante assume sua falta de talento e que conforme-se a viver de acordo com os sermões da gastronomia da elite e dos seus sacerdotes maiores, os críticos treinados nos livros sagrados da gastronomia internacional. Esses sacerdotes, a crítica, educados segundo a moral, os gostos e talentos dos cardeais da gastronomia internacional, serão as mãos generosas que vão catequisar o maioria sem gosto na direção do gosto e dos interesses da elite local e de sua moral...

E eu discordo totalmente de você, essa gastronomia de que você fala não tem valor, é tão artificial quanto um peito de silicone, sem verdade, sem sabor, sem originalidade e, espero, sem poder... No mundo globalizado, sem centro, a coisa vai e vem de todas as direções, esse modelo que você defende não iria dar certo.

C.

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