06/02/2010

Roberta, a artificialização e a naturalização culinárias

Gosto muito do blog da Roberta Sudbrack. É um dos que dá o que pensar e, creio, este é o papel dos blogs na atual conjuntura gastronômica. Quero discutir aqui uma de suas linhas-mestras ou idéia-força. Faço em voz alta meu diálogo gastronômico com Roberta.

Roberta defende uma culinária que é, ao mesmo tempo, fruto da experimentação empírica e de muito trabalho, isto é de muita tentativa e erro, além do tratamento intelectual sofisticado de matérias-primas as mais banais.Como fez com a baba do quiabo. Ela se concentra ao longo de largos períodos (ano) no chuchu, no quiabo, etc e chega a resultados que todos admiram. É mesmo uma atitude exemplar. Se todos os chefs seguissem esse modelo a gastronomia brasileira estaria em outro patamar.

Mas Roberta faz uma verdadeira campanha que parece ser contra a modernização tecnológica. Vira e mexe faz perorações contra Gastrovac, Termomix, etc, com o falso medo de que as máquinas mandariam nela se as adotasse. Por outro lado, revela-se a chef mais hi-tec ao “twittar”, pois criou um estilo de comunicação que é impar, e ultra-moderno, que coloca todo mundo cozinhando com ela em real time. Ela dá uma visão “de dentro” da cozinha que nenhum outro cozinheiro até agora nos franqueou.

Com os comensais, Roberta prefere se comunicar pelos modos tradicionais: longas cocções, forno a lenha, enfim, com a mediação da tradição que, no caso, ela chama de simplicidade. Parece que acha que a técnica veio complicar e sua criatividade sem essas técnicas parece lhe dar razão.

Sudbrack se situa naquele ponto de inflexão entre tradição e modernidade e, por isso, suas opiniões sobre “as modernidades” são tão importantes. Mas a “filosofia da simplicidade” não é a única possível. Há outras.

Há quem goste, como o Rodrigo Oliveira, de usar técnicas modernas numa base culinária tradicional e os resultados são pra lá de compensadores. Isso não só relativiza a militância anti-tecnológica da Roberta como mostra que a culinária é um terreno tão vasto que cabem vários “partidos” (no sentido de “partidos arquitetônicos”).

Mas Roberta sabe que o importante, nessa matéria, é a comparação que nos fornece parâmetros. Como ela mesma diz, “não há nada pior na gastronomia do que a falta dele [parâmetro]. Falta de sal a gente resolve. Falta de pimenta também. Agora, falta de parâmetro e frescor não tem solução. Como comparar se a gente não conhece o outro lado da moeda?”

Não sei se sua anti-tecnologia decorre de uma experiência pessoal de comparação, mas o certo é que esta é uma verdadeira escola culinária, com representantes no mundo todo. Como Santi Santamaría. Com o brake de Adrià, essa tendência avançará mais algumas casas no tabuleiro gastronômico.

Roberta atacou recentemente outra frente: a artificialização do comestível. Fez o mea culpa por ter usado (e gostado) dos simulacros de tartufo bianco.
Pessoalmente acho que uma coisa é um subproduto (uma essência natural) que revela de forma mais clara um atributo natural do produto; outra, bem diversa, o simulacro (essência artificial). Entre ambas, claro, há escolhas que podem ser feitas. O artesanato, onde conta a excelência e não os custos, optará pela primeira; a indústria, pela segunda. Por isso foram inventadas as essências artificiais: custos. Assim é com a baunilha e a vanilina. E não há como negar razão a Roberta quando diz que “o que eu não posso entender e nem aceitar é o fato de vira e mexe ainda me deparar com essa substância tóxica nos cardápios mundo a fora. Não combina com o momento vivido pela gastronomia”.

É verdade. E é bom que alguém como ela coloque o dedo na ferida, porque ela sabe que “evoluir é olhar para frente e para trás. Refletir, aprender, entender. Buscar novas formas, novas possibilidades, novos contextos. Instigar, surpreender, alegrar. Tudo isso está valendo. Só não vale mascarar”.

Imagino que é possível os cozinheiros chegarem a um programa mínimo de depuração gastronômica. Que tal banir da gastronomia mais sofisticada – que é exemplo que a sociedade acaba imitando em escala ampla - os animais que consomem ração animal (canibalismo), como o frango e o salmão de granja, e os que consomem hormônios de crescimento; os produtos com estabilizante e conservante além de certo nível mínimo a ser fixado (maioneses, Nutella, etc)? Os produtos com carga comprovadamente alta de agrotóxicos (batata inglesa, morango)?

Acredito que a criatividade empenhada dos cozinheiros certamente encontrará caminhos nos quais esses vícios do gosto não mais farão falta.

P.S.: Veja Rio apresenta interessante matéria sobre Roberta

1 comentários:

Mamede disse...

Dória...

Adoro suas discussões abertas sobre os ramos mais diversos da gastronomia, novamente o tema me fez pensar com mais cuidado em idéias que por vezes rondavam a minha cabeça. Obrigada pela oportunidade de pensar a gastronomia de forma completa e não somente em fogões.

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