Muito além do simples está o simples

Outro dia falei aqui, na falta de termo impessoal, do “sudbrackismo”, isto é, da complexa construção do simples em gastronomia. Roberta Sudbrack persegue isso com clareza.

Na gastronomia mundial há outros exemplos notáveis. Bernard Loiseau em várias preparações, especialmente na sua famosa “galinha de Bresse” com trufas e apenas cozida ao vapor; Michel Bras e sua investigação em torno das ervas; e assim por diante. É uma tendência, embora não chegue a constituir uma "escola" no sentido da nouvelle cuisine.

Esse tipo de cozinha se opõe às regras rígidas de harmonização herdadas da interpretação culinária medieval da medicina galênica. Ao contrário, alguns poucos elementos são suficientes para produzir o prazer estético ao comer. Se usássemos uma metáfora musical, diria que está mais próxima de Eric Satie do que de algum autor barroco.

No pólo oposto temos, por exemplo, uma certa culinária indiana. Especiarias estaladas no gee, seguindo-se a cocção lenta à qual se adiciona curry e, ao final, garan masala. São tantos sabores, tantos aromas em cornucópia que nos inebriam ao mesmo tempo em que nocauteiam o olfato e o paladar, resultando em algo mais ou menos contrastante ou plano, mas de dificílima construção no sentido da intenção que deve se plasmar na coisa levada à mesa.

O simples é, ao contrário, a nudez acachapante das coisas de comer. Como tirar partido da simplicidade do chuchu, dito “quarto estado da água”? É necessário trabalhar seu sabor delicado em cocções que não o suprimam; trabalhar sua textura e os melhores cortes. Trabalhar associações que não o escondam sob o manto de outras evocações do paladar. Enfim, a coisa mais difícil é fazer o chuchu chegar à mesa de modo a chamar nossa atenção para ele com a dignidade que todo ingrediente exige em tratamentos gastronômicos.

A tendência da comida “simples” é um desafio sem igual para os cozinheiros, pois muito além do simples “natural” está o simples criado para ser simplesmente... simples.