Tenho o maior respeito pelos chatos, que também são seres humanos (sic). Josimar escreveu um post recente no seu blog, sugerindo que deixemos de chatear os enochatos. Me chateei com o post, pois gosto de chatear os enochatos. Me explico.
O chato é um tema candente da nossa cultura, tendo até gerado um tratado nos idos dos anos 1960, de autoria de Guilherme Figueiredo, o membro daquela família que mais contribuiu para a formação da cultura nacional (o seu irmão, ao contrário, gostava de “prender e arrebentar” e ameaçava “chamar o Pires”).
Os chatos de todos os tipos são como Josimar sugere: pessoas sem educação, que interrompem a fala alheia, falam muito, etc. Mas, do ponto de vista científico, precisamos atingir a especificidade do enochato e o Tratado Geral dos Chatos era muito genérico sobre esse tipo novo.
Naquele livro, ele estava diluído nos chatos-etílicos que, para Guilherme Figueiredo “têm trajetória decrescente: começam num estágio de melancolia dócil, reclamando da vida, passam por momentos de agressividade, quando qualquer coisa é motivo para briga, e terminam em derrocada total, vomitando na piscina da sua casa”.
O enochato é um cara exclusivamente de salão, raramente chegando ao estágio-piscina. A enologia é, conforme especialistas, uma das tantas formas de deslocar a discussão sobre alcoolismo para o terreno da estética. A estética é disciplina de salão, não de piscina ou sauna.
Para circular bem no salão, o enochato inventou uma linguagem complexa. A nomenclatura utilizada atualmente na análise sensorial dos vinhos é copiosa e pouco precisa e, por tanto, de difícil interpretação. Isso torna o enochato um explicador nato. As expressões qualitativas das diferentes sensações são praticamente irreprodutiveis, mas o enochato insiste. Na falta de padrões de referencia precisos e das falhas técnicas, o enochato procura o seu caminho particular.
O enochato, enfim, é aquela classe singular de chato que entende que sua experiência pessoal é suficiente para iluminar a compreensão do mundo. Ele escolhe descritores de vinhos que dizem respeito à sua experiência única, à sua gestalt, imaginando que todo mudo tenha tido uma vida semelhante à sua.
Quando ele fala “cheiro de raposa molhada”, de “couro velho da Rússia” ou “pedra de fuzil” imagina que você, como ele em imaginação, já esteve num campo de caça ingles, colhendo a sua raposa do chão ainda orvalhada; esteve nos cortumes russos ou lutou nalguma guerra antiga. Em geral o enochato “emprega mais tempo descrevendo e justificando os termos utilizados do que comentando o próprio vinho”, diz o grande especialista em percepção sensorial A. Razungles – que acha que esse vocabulário deve atualizar-se, refletindo odores contemporâneos e se evitando parâmetros tão idiossincráticos como os utilizados pelos enochatos.
Bem, esse papo já vai ficando chato em si. Quem quiser se aprofundar pode ler o texto encontrável na web: A. Razungles y P. Bidan,Reflexiones sobre la Degustación: la necesaria estandarización de los Descriptores en el Análisis Sensorial de los vinos.
26/03/2010
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1 comentários:
Doria,
hoje eu estava precisando dar umas gargalhadas, estava minguando de tristeza e teu texto foi mão na luva. Ri com vontade, ri de chorar, precisava mesmo, ainda por cima em se tratando de assunto que concordo em gênero, número e grau com você. Discordo do Josimar, se eles (enochatos) não deixam ninguém em paz por que razão dar a eles esse direito... Toma lá, dá cá.
C.
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