Belíssimo ensaio de Flora Süssekind n´O Globo de 24 de abril, denominado “A crítica como papel de bala”. Duas páginas de texto da melhor qualidade daquela que é uma das inteligências mais brilhantes do ensaismo nacional. O Globo é o ultimo jornal a saber que, como grandes aviões, certas inteligências precisam de mais pista para alçar vôo; seus concorrentes, a par com o que entendem por modernidade, e supondo o encolhimento do interesse dos leitores por textos, mais e mais substituem o escrito pelo visual.
Por conta do necrológio de Wilson Martins, ela analisa a “redução do potencial de dissenso das intervenções no calor da hora [ou] a perda do lugar social da crítica”. Para ela, “fabricam-se nomes e títulos vendáveis, vende-se, sobretudo o nome das editoras, e sua capacidade de descobrir ‘novos talentos’ semestralmente, ao sabor das feiras literárias. E, nesse sentido, formas dissentâneas de percepção, como a crítica, se mostram particularmente incômodas. Formas personalistas e estabilizadoras, ao contrário, se esvaziadas, parecem continuar benvindas”. O colunista, que sabe “ficar no seu lugar”, funciona como moldura quase invisível, inconseqüente, para o que o próprio veículo e o mercado editorial querem referendar. Flora está preocupada com a possibilidade, ainda, de “um exercício crítico que não se confunda inteiramente com busca de prestígio ou com um guia de consumo”.
E a essa altura o leitor poderá se perguntar: mas o que isso tem a ver com culinária ou gastronomia? Se as tomamos como busca de prestígio e guia de consumo, veremos na convergência entre chefs, interesses comerciais e a imprensa a celebração mais alta que podem alcançar. Mas se as tomarmos em suas intersecções com o conhecimento crítico do que levamos à boca, certamente Flora Sussekind está a nos dizer coisas muito úteis.
25/04/2010
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3 comentários:
Dória,
100% de acordo.
A analogia é precisa.
Abraços!
Dória,
quando escrevi o comentário acima, confesso, não havia lido o artigo da Flora Sussekind. Concordei com a analogia entre os fazeres críticos na forma como você a descreveu.
No entanto, hoje li o artigo e li também algumas respostas a ele, principalmente a do crítico e ficcionista Sergio Rodrigues - http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/05/01/a-critica-de-mal-com-literatura-287840.asp
Sergio Rodrigues expõe com clareza o desvio argumentativo a que Sussekind recorreu, descartando elementos centrais da discussão e buscando, na crítica presente, um espelho que (infelizmente para ela e para alguns críticos acadêmicos e felizmente para muitos outros, sobretudo para o leitor comum) ela não encontrou.
Desculpe-me ocupar um espaço tão grande nos comentários com uma questão extra-gastronômica, mas achei que devia esclarecer minha concordância acima. Até porque, curiosamente, Sussekind - acho que, sem saber - expôs uma situação que vale mais para a gastronomia do que para a ficção atual.
Por isso, continuo concordando com a analogia, embora discorde de quase tudo que ela afirma a respeito da crítica literária e, em especial, dos três artigos a que se refere.
Abraços!
Alhos,
gosto dela de "Papéis colados" e de "O Brasil não é longe daqui". Sobre Wilson Martins, confesso que não conheço o necessário para avaliar a crítica da Sussekind. Seja como for, minha motivação foi a analogia. ]
Quanto ao assunto extra-gastronomico, é o que dá graça ao seu comentário muito benvindo!
abraços
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