22/04/2010

Produtores artesanais para o mercado gourmet

Foi muito interessante a discussão no Entre Estantes & Panelas do dia 19, na Livraria Cultura. O debate foi com alguns produtores de ingredientes especiais, voltados para o mercado de restaurantes de gastronomia.
Os produtores eram: André Luiz Theiss (siri-mole), Annette Heuser (ervas frescas e minilegumes), José Francisco Ruzene (arroz preto e vermelho) e Ricardo Carvalho Oliveira (palmito-pupunha).

A discussão mostrou que a gastronomia não nasce nas cozinhas dos restaurantes nem na genialidade dos chefs. Nasce muito antes, no campo. Os convidados se especializaram no fornecimento para chefs de cozinha, que demandam novidades com bom padrão de qualidade e segurança alimentar, regularidade no fornecimento e uniformidade de tamanhos e sabor.

Essa relação privilegiada com os chefs induz à produção de novos ingredientes, bem como facilita a conquista de outros nichos de mercado, evidenciando a articulação forte entre os públicos que têm a gastronomia como foco.

Foi a pedido de um cliente americano que Luiz Theiss começou a pesquisar a produção do siri mole. No início deste ano iniciou a comercialização do ingrediente, que se encontra no DOM, em São Paulo, numa preparação muito interessante, com priprioca.

Annette Heuser há quase 20 anos começou a cultivar temperos frescos num mercado que se limitava a ter salsinha, cebolinha e coentro. A empresa têm cultivado estragão, cerefólio, louro, manjericão e tomilho, tendo como foco, principalmente, os chefs de cozinha. Hoje a Ervas Finas produz também flores comestíveis, minilegumes e plantas como o jambu.

José Francisco Ruzene, do Arroz Preto Ruzene, se dedicava apenas ao plantio de arroz agulhinha. Procurado pelo IAC (Instituto Agronômico de Campinas), para plantar uma nova variedade, o arroz preto, sujeitou-se ao experimento. Decidiu lançar a marca Arroz Preto Ruzene e, com o tempo, batendo de porta em porta, chegou aos chefs paulistanos. O mesmo trajeto está sendo seguido agora pelo seu arroz vermelho, por variedades como o italiano arbóreo, o japonês koshihikari e o tailandês basmati. Ricardo Carvalho Oliveira, do Pupunha São Cassiano, colocou no mercado esse palmito fresco e sustentável, tendo começado a investir há 13 anos.

No conjunto, temos de importante: a) a percepção do que o mercado demanda ou demandaria (até por substituição de importação, como no caso dos arrozes), b) o forte espírito empreendedor, c) o apoio técnico de entidades acadêmicas ou tecnológicas; d) a persistência na identificação dos nichos de mercado, e) a alavancagem que os chefs de cozinha podem fornecer, quando os produtos conquistam suas preferências.

Os casos desses quatro pioneiros não são isolados. E muitos outros podem ser criados. Foi o que me ocorreu ao ler a reportagem de hoje da Luiza Fecarotta na Folha (sim, às vezes o jornal acerta, ao menos quando deixa seus repórteres viajarem a convite, já que não investem eles mesmos no deslocamento...) sobre o porco pata negra ibérico e o presunto que dele se origina.

Como lembra Fecarotta, “características genéticas também permitem grande depósito de gordura - esta infiltra as fibras e gera uma carne marmorizada, suculenta e brilhante”. O que talvez ela não saiba – nem o caro leitor! – é que esta mesma genética está aqui, entre nós brasileiros, ameaçada de extinção!

Quem consulte o livro da EMBRAPA, Animais do descobrimento (Brasília, 2006), sobre raças domésticas brasileiras de animais comestíveis, verá que o porco da raça “Nilo” é geneticamente o mesmo porco preto ibérico. Ele faz parte dos bancos de geoplasma mantidos pela instituição, tendo pouquíssimos criadores interessados na sua existência. E por que?

Porque a gordura animal andou em baixa, até que a trans caiu em desgraça. Hoje vivemos a época de plena restauração daqueles alimentos condenados por gordura excedente. Assim, aqueles porquinhos, tão suculentos, que na Europa geram essas iguarias que mandam repórteres investigar, podem de novo renovar as esperanças de sobrevida. Afinal, séculos de seleção genética, mais de acordo com nossas condições de vida e gosto, é que estão ameaçados.

Se os porquinhos tiverem sorte, encontrarão os seus André Luiz Theiss, Annette Heuser, José Francisco Ruzene, Ricardo Carvalho Oliveira e chefs que lhes dêem a devida atenção, com um olho no mundo e outro à volta.

2 comentários:

raq disse...

e a carne de porco, que pra mim é uma das melhores para o dia a dia, ficou super estigmatizada. minha sorte é ser de família mineira que não larga a carne de porco, mas tenta comprar carne de porco não congelado no rio de janeiro!

Camila Dias disse...

O encontro foi maravilhoso, todos convidados superaram as expectativas e nos deram muitas informações interessantes sobre o que fazem. Que venha o próximo encontro de maio!

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