15/12/2010

Comentário ao Premio Paladar rides again

Recebi o seguinte e-mail comentando meu post anterior:

Caro Dória,

Sempre tive um certo bode de blogs e comentários de blogs, não gosto do formato e acho que poucos acrescentam alguma coisa à discussão de temas relevantes. Por isso não comento no blog e mando um e-mail pessoal só para fazer algumas observações e pequenas reparações.

Dona Brazi não fez o chibé no Jantar de Dezembro de 2009, foi a Mara que, inspirada nos chibés que já havia provado (antes em Belém-PA, Bragança-PA, e Manaus-AM; e depois no Alto Rio Negro-AM), apresentou naquela ocasião a sua versão do Chibé.

Não me parece que a prática de se criar um prato inspirado em um modelo tradicional seja um decalque (palavra infeliz), uma imitação. Os artistas e cozinheiros mais criativos e interessantes partem da tradição e a rompem, criando um novo paradigma, ou a releem, de acordo com o seu talento e sua visão de mundo. E, na verdade, nem isso a Mara pretendeu, foi somente perpetrar a sua versão do Chibé, prato que a fascinou desde a primeira prova. Teriam os ótimos chefs Felipe e Gabriel do Dois na Cozinha inventando o ravióli de pupunha ou a delicada Ana Luiza, do Brasil a Gosto, criado a Moqueca?

Na velha questão do que é o novo, prefiro o Paulo Leminski:
“o novo não me choca mais nada de novo sob o sol apenas o mesmo ovo de sempre choca o mesmo novo”

Sobre a Farinha de ou do Uarini (acho mais adequado de, pois a referência principal é a cidade de Uarini). Parabéns pelo domínio amplo do léxico amazônico! Não tenho esse domínio e nem o pretendo, nem sei se ‘farinha ovinha’ pertence academicamente a esse repertório da língua na região, mas que um monte de gente, daqui e de lá, inclusive o pessoal do Slow Food e a Neide Rigo, por exemplo, a conhecem e tratam dessa forma, isso não tenho dúvidas (veja no link do blog Come-se como em Manaus a tratam como ova e ovinha - http://come-se.blogspot.com/2008/06/farinha-ovinha-nosso-cuscuz-marroquino.html). E por que não nos permitiríamos chamá-la assim, se o formato é mesmo de uma ovinha? É divertido, engraçado, facilita a identificação, não sejamos tão ranzinzas. Agora, se não me engano, esse discurso já ouvi ou li da boca ou da caneta do Pedrão Martinelli (vamos respeitar as fontes).

Em relação ao prêmio ... só ganhamos!

Numa coisa concordo com você, acho o questionamento dos prêmios gastronômicos e dos seus critérios saudável e necessário, mas temos que considerar que o Prêmio Paladar, por mais defeitos que possa ter, tem a grande vantagem de obrigar os seus jurados a fazerem o óbvio – provar os pratos que estão avaliando. Sabemos que, infelizmente, nem sempre é assim.

Feliz Natal!

Um abraço,

Ivo Ribeiro


Em resposta, tenho a dizer:

Caro Ivo,

Agradeço a atenção que deu ao meu blog – especialmente por não ser usual de sua parte se relacionar com blogs. Também acho que as coisas por aqui pecam por certa superficialidade e, por isso, as vezes me estendo sobre um tema, como a série de posts sobre “Como será construída a nova culinária brasileira?” Acho que ali respondo algumas das suas questões, mas não vem ao caso.

Talvez tenhamos concepções bem diferentes sobre criação (e não será o Leminski a nos separar...), mas nunca achei “decalcar” ou “imitar”, em culinária, algo que deponha contra alguém. Saiba que dedico um longo capítulo do meu livro A culinária materialista justamente à analise da imitação como forma privilegiada de difusão da cultura culinária e à imprecisão da cópia como a forma privilegiada de inovação.

Portanto, pelo contrário! O trabalho e a pesquisa da Mara, recuperando formas populares de cozinha, é fundamental para quem procure “um novo paradigma”. A isso se soma sua condição essencial de professora.

Quanto ao chibé em si, naquela ocasião, para mim, se confundiu com Dna Brazi. E certamente você não achará essa minha confusão despropositada.

Quanto à “farinha ovinha”, é claro que cada um pode dar o nome que lhe apraz ao que for! E, não tenha dúvida, quem chamou a atenção para a impropriedade, pela primeira vez, foi o Pedro Martinelli. Naquele mesmo jantar de Dna Brazi no Tordesilhas.

Sabe por que eu acho que ele tem razão? Pela necessária fidelidade etnográfica, em se tratando da divulgação de produtos amazônicos mal conhecidos no sudeste, para que cada um, ainda que neófito, possa localizar com facilidade de onde cada ingrediente vem e compreender seu entorno cultural. Só por isso. Para mim, a palavra “ovinha” esconde isso, no atual momento. Tenho certeza que Pedro Martinelli não verá na minha citação uma usurpação de fontes. Ele é uma grande e ampla fonte moderna sobre Amazônia, sabemos disso.

Finalmente – e talvez você não tenha percebido isso no meu texto impreciso e tão rápido de blog, razão pela qual peço desculpas – a minha crítica não era à Mara Salles. Era ao fato dela estar incluída numa categoria – laboratório culinário – que, no meu modo de entender, deveria ser reservado justamente para quem se afasta da tradição. Claro, talvez devesse ter acrescentado que sinto falta também de uma categoria que abarque a tradição acima de tudo. Onde o chibé da Mara estaria muito bem colocado.

Enfim, é tudo uma mera questão de classificação. Nada vital.

Abraços e bom Ano Novo.

1 comentários:

mario disse...

Prezado senhor
sou dessas pessoas que gosta de frequentar bons restaurantes, e tenho um paladar mais ou menos exigente. Nada profissional, mas algumas geraçoes familiares que me antecederam eram apreciadores da boa cozinha, e creio que colaboraram para aprimorar meu gosto pela culinària da Europa ocidental, principalmente mediterranea.
Escrevo para você, porque leio com frequencia criticos de gastronomia de jornais e revistas de grande circulaçao, que escrevem coisas no minimo esquisitas sobre pratos, chefs e restaurantes.
Minha grande dùvida e o que mais me intriga ( talvez você possa me ajudar a entender) é de onde surgiram esses personagens. Lembro bem que até os anos 90 era comum e chic consumir a refeiçao tomando cerveja e whisky. A culinària no Brasil era a da Dona Benta. Nao havia ingredientes. Ninguem desconfiava o que era “foie gras” e “trufa” era uma bolinha de chocolate. Azeite, um dos ingredientes vitais para a cozinha, não fazia parte dos ingredientes de restaurantes e lares brasileiros.
Ora, então, de onde surgiram esses personagens que hoje escrevem sobre “alta gastronomia” com a maior desenvoltura ? Criados a frango com quiabo, feijão arroz bife batata frita, tomando whisky e cerveja, e sem a oportunidade de desenvolver o gosto desde crianças por extrema falta de cultura gastronomica ( muito menos hereditària), de repente julgam, criticam o que conhecem muito pouco, e iludem leitores despreparados.
O melhor de seus textos se manifesta quando dizem que o prato de determinado cozinheiro veio salgado, ou o medalhão estava fora do ponto, ou outras pèrolas.
Entendo que nos ultimos 10 anos a gastronomia ficou na moda, mesmo em países onde não era muito cultuada, e que era necessário para a midia, criar jornalistas que escrevessem sobre o assunto.

Espero não ter sido muito desagradável, mas você não sabe como isso incomoda.
abraço
Mario Cardoso

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