05/11/2011

Diálogos contemporâneos (ontem à noite)

O sujeito faz aniversário e, talvez por isso, data especial, resolva tomar aqueles vinhos que vem guardando há tempos. Convida amigos, escolhe o restaurante e leva duas garrafas.

A sommelière da casa concorda que são vinhos especiais (quer dizer, nunca viu antes). Mas o diálogo é inevitável:

- Nós cobramos R$ 40 de rolha.

- Ok.

- Por cada garrafa...

- ?

- ......

- E se for uma garrafa magnum?

- Cobramos duas rolhas...

- E se for meia garrafa?

- Ah, preciso perguntar para o maitre.

Enquanto imagino o esforço do serviço medido pelos centilitros, um garçon, talvez mais escolado na filosofia da casa, se adianta:

- Aí cobramos meia rolha...

Não resisto e pergunto:

- Se eu pedir um prato e comer só meio prato o senhor achará justo que eu pague somente 5% de serviço, não é?

A resposta é o silêncio.

(Ao chegar em casa, me penitenciei pela minha etnografia amadora. Faltou perguntar: "E se eu trouxer uma magnum, tomar meia garrafa, arrolhar e levar de volta, quanto pagarei?").

Talvez você ainda se lembre daquela frase de padaria: “o freguês tem sempre razão”, aplicada nas situações menos razoáveis, depois substituida por algo mais elaborado, tipo “foco no cliente”. Isso não quer dizer hospitalidade, mas foco no bolso do cliente.

Para manter certos prazeres, só refluindo da esfera pública para o âmbito privado. Será isso um "bom negócio" para os restaurantes argentários?

11 comentários:

Rogério Gaspari Coelho disse...

Prezado Dória,

Vi esses dias na folha um artigo do Vladimir Safatle acerca do que ele chama de "inflação de prestígio", e achei que calha à perfeição com o que se está praticando hoje nos restaurantes em São Paulo, o "padrão Itaim" dominando tudo, tema que merece uma reflexão mais detida, há um efeito inercial que vai bem além da qualidade e raridade dos ingredientes. Segue o link
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1810201106.htm
Abraço,

Rogério

http://ogourmetincidental.blogspot.com/

Alexandra Corvo disse...

Vamos por partes...Se o cliente queria levar uma garrafa tão especial, para um dia tão especial, em primeiro lugar, por que não teve a cortesia de ligar antes, avisando que levaria e perguntando se cobrariam rolha? Isso já evitaria o primeiro constrangimento. Em segundo lugar, a rolha não se cobra por tamanho. Tamanho é uma medida masculina. Talvez aí a dificuldade de a sommelière entender a "piada/pergunta". Em suma, a rolha se cobra por vinho. Não é nem por garrafa. Se você levar uma garrafa Jeroboam, as mesmas taças serão utilizadas que no caso de uma meia garrafa. Portanto, o valor deve ser o mesmo.
A taxa de rolha, a princípio, se refere a um custo de uso de taças, material, guardanapos, lavagens e mesmo o tempo dos garçons e sommeliers que estão ali atendendoe servindo quem levou uma garrafa e não estão vendendo, por exemplo, um vinho em outra mesa. Nâo é questão “só de grana”. É questão de lógica. E, vamos combinar, 40 reais é um preço pra lá de justo por uma rolha no contexto de São Paulo. Muitos restaurantes operam com um preço de rolha “formal”, que está ali impresso no cardápio. Mas se você (de novo, tem a gentileza de) ligar antes, conversar, explicar a situação, a gigantesca maioria deles tem prazer em receber pessoas que trazem garrafas legais, para ocasiões especiais sem cobrar nada. No entanto, a gentileza tem que ter duas mãos.

e-BocaLivre disse...

Alexandra,

obrigado pela aula. Mas, só de lê-la, imaginando que é um roteiro e um protocolo complexo de relacionamento com o restaurante, fico cansado. Queria uma coisa mais simples. E por isso me espanta o raciocínio aplicado pelo restaurante, baseado em centilitros. Não sei se tamanho é masculino ou feminino (poderia dar inúmeros exemplos femininos), só sei que o gesto é, para mim, sempre uma dimensão qualitativa: ou se é hospitaleiro, generoso, ou não se é.
Você poderia nos explicar também por que as coisas mudaram nas últimas decadas, especialmente na direção que tomaram. Como já contei aqui, uma vez, antes de ir ao Cadoro, liguei para perguntar se poderia levar um vinho. O Atico me disse ao telefone: "Claro, Sr. Dória, como sempre!". Detalhe: eu nunca antes tinha ido ao Cadoro nem conhecia o Ático. Foi um gesto que me cativou para sempre e, em boa parte por ele, fui incontáveis vezes ao Cadoro - apesar de ser estudante "duro".

Breno Raigorodsky disse...

Meto minha colher, do alto dos artigos que já escrevi sobre este espinhoso assunto. A rolha, como pude recolher de mestres da restauração brasileira, Rogerio Fasano e Ida Maria não é uma questão de vinho, mas claramente uma questão de gestão. Se, como no caso do CaD'Oro citado, deixo de levar o vinho, eventualmente deixo de levar a mim e os meus convidados... Ou seja, quero ou não quero ter em meu restaurante o privilégio de receber gente que gosta de comer bem e que tem uma boa adega para usar quando deve?
Num mercado cuja concorrência é tão grande como o nosso, a questão procede. Em vez de ir ao Tappo, vou a um outro equivalente, tão bom quanto, que não me pune pelo prazer de levar meu vinho para abrilhantar a comida que ele faz.

Anônimo disse...

Dória, quer algo mais simples do que ligar para o restaurante e avisar que vai levar uma garrafa? Fica cansado? Bem, quem começou esse papo de meia garrafa, magnum, etc, foram vocês, pelo que vimos em sua narrativa. Provavelmente eles nunca pensaram nisso e tiveram que se sair com um resposta rápida, improvisada, fingindo que aquilo foi minuciosamente calculado. Mas não foi. Ele quis mostrar serviço. Tenho certeza que o restaurante não cobra assim. Nâo acho o assunto espinhoso. Mas é que cliente exige que lhe seja oferecido gentileza sem ele antes ter sido gentil...de novo, é de dois lados. E, não, não há hospitalidade em SP. É complicado. Sabendo isso, liguem antes. não custa nada. TEndo trabalhado do outro lado (que não o do cliente) por 13 anos, posso afirmar: gentileza gera gentileza.
Alexandra Corvo

Fernando disse...

O Antiquarius cobra rolha dependendo do tamanho da garrafa, só como exemplo. E o Sr. Rogerio Fasano cobra pornográficos R$ 100,00 a rolha no Fasano. Acho que a política deva ser individual e o cliente que decida se quer submeter-se a ela. Mas lamento que algumas casas exagerem no direito de cobrar a tal taxa.

Breno Raigorodsky disse...

Alessandra, ligar para o restaurante não refresca nada. O Segatto foi avisado, o Beni foi avisado por mim, o Gero foi avisado, apenas me comunicaram quanto iriam cobrar pela rolha. Ou alguém acha que a questão da rolha é uma simples questão de etiqueta? Rolha, insisto, é uma questão comercial, pouco ou nada tem a ver com a adega montada carinhosamente pelo restaurante. Diz respeito ao tipo de clientela que se quer ter. Rolha serve sim para não deixar que alguém traga um vinho e o exponha para outros clientes, um vinho que esteja fora do lugar, um lambrusco, só para citar um exemplo mais dramático. Fora isso, cobra-se eventualmente pelo serviço, pelas taças quebradas (não potencialmente quebradas, mas quebradas de fato). Acho que a rolha é burra, afasta o melhor dos consumidores somente para não correr o risco de ter um cliente apresentando no restaurante um vinho que não está a altura da qualidade e classe desse (digo "classe" pensando no marketing de cada estabelecimento...

Anônimo disse...

Breno, quando digo para ligar para o restaurante, não é para você "avisar". É para ligar e perguntar se há cobrança de rolha para poder, assim, chegar ao restaurante e não ter surpresa. Lógico que é questão comercial, não tem nada a ver com etiqueta. O que eu expus é a lógica da rolha, para que os "indignados" possam enxergar os dois lados e não só o seu. São negócios e, sim, através de sua política comercial decidem que clientes querem ter. Talvez as casas que vc ligou não ligavam tanto assim para tê-lo como cliente. ué...acontece. E, não, pela minha experiência, não é necessariamente "o melhor dos consumidores" o que traz vinho. Tem muito cara mala. E meu nome é AleXandra, com X, e não Alessandra. saco.
Ass: Alexandra Corvo

Anônimo disse...

Sobre o comentário do Fernando, concordo em tudo. Cada casa acaba trabalhando à sua maneira, apesar de eu já ter explicado o porquê da rolha e ter cansado mais de um com a "aula". Detalhe: NUNCA me cobraram rolha no Gero e a ex-sommeliére do Ici sempre foi cordial comigo dizendo que fosse jantar e que levasse meu vinho. É questão de "jeito" sim. você não liga e AVISA. Você pergunta. Entendem?Já falei 14 vezes nesta discussão: é gentileza recíproca, é delicadeza, é jeito. Ass:AleXandra Corvo

Anônimo disse...

sommelière, corrigindo aí a grafia...typo. Ass: Alexandra Corvo

Breno Raigorodsky disse...

Alexandra, desculpe o imperdoável erro de grafia em seu nome, a fonética explica. Com o nome de Breno, que costuma ser trocado regularmente por Adriano, Bruno e até por Dreno, entendo o tamanho da grosseria que cometi.
Quanto à rolha, você tem toda razão em sua réplica. Quero dizer que comumente ligo para perguntar o preço da rolha, imagino que você faça o mesmo, visto que não concebo ter mais de 100 vinhos em casa, muitos deles que gostaria de compartilhar com amigos e ter que pagar no restaurante escolhido pelo preço de mais uma garrafa ou duas.
O sobrepreço que os restaurantes cobram sobre o produto é escorchante, fazendo do vinho uma fonte de renda extra, baseado em alguma fórmula matemática que diz: se posso ganhar de 100% a 150% sobre a cerveja, porque não posso fazer o mesmo sobre o vinho?
Do ponto de vista da ampliação do consumo do vinho, agindo assim, o complexo que inclui a importadora e os restaurantes não consegue dar o impulso que poderia para o consumo, que ainda não conseguiu ultrapassar o medíocre patamar de 3 litros/capita/ano, mesmo com o sucesso de escolas como a sua, com a regulamentação da profissão de sommelier, a oferta que se tem do vinho em geral, a melhora indiscutível do produto feito no Brasil, as facilidades de importação com taxa zero alfandegária para os produtos dos países vizinhos, o interesse que adquiriu entre os jovens etc. e tal.
Finalizando, enquanto o vinho na mesa significar mais de 60% do custo de uma refeição num restaurante ele não será tão popular quanto poderia. Evidententemente, não estou me referindo ao vinho das datas especiais, da Pessoa Jurídica que sustenta os restaurantes mais caros e que pouco ligam para o preço que não vão pagar...
Queria finalizar mas não consigo, este assunto é rico o suficiente para merecer muito mais.
Abraços a todos militantes do vinho!

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