17/01/2012

Star City, um museu vivo da culinária dos 60´s

Não sou daqueles que correm atrás do passado. Mas há dias nos quais você encasqueta: vou comer uma feijoada! E nem é sábado. A cidade não reserva muitas opções memoráveis, e você lembra daquele lugar que, não sabe como, reapareceu do nada em sua lembrança. O restaurante Star City (Rua Frederico Abranches, 453) é assim. Está lá desde quando você se tomou por gente, mas há quanto tempo não vai visita-lo? Você nem sabe porque parou de ir.

Pois me lembro de frequenta-lo assiduamente no tempo de faculdade. Comida farta, capaz de matar a fome de jovens em qualquer dia e hora. Era uma espécie de “Bolinha” para quem não tinha grana; o excesso que cometíamos em grupos de amigos. Além disso, tinha a magia de estar no centro da cidade, quando essa magia ainda produzia atração. Hoje, o caminho em direção ao centro é cercado de dúvidas e resistências cujas razões nem sabemos ao certo. Até o Ton Hoi a imprensa redescobriu, mas por que ela olharia para o centrão?

Claro, o tempo sempre provoca seus danos. Mas continuam, no Star City, os lambris de madeira; o chão de granilite; a vitrine na entrada, que exibe os wiskies “tops” da casa como se estivessem envelhecendo de propósito, à sua espera por décadas, como a poeira atesta. Em seguida, um biombo que separa visualmente o interior do exterior. Uma arquitetura regida pela ideia de aconchego, privacidade, para se comer em família ou entre amigos; o oposto da moderna arquitetura de interiores, escancarada, para “ver e ser visto”. E como revelação o magnífico samovar de prata - fabricado especialmente para a casa, pela Fracalanza - onde, às quartas e sábados, o cliente pode se servir de batida de limão gelada. Contudo, agora temos também a maldita TV de plasma (desligada, mas...); as lâmpadas de luz fria, acesas.
Mas a reforma continua e o proprietário, Milton, está animado com as melhorias que vem introduzindo aos poucos por conta dessa “segunda geração” no comando da casa, coisa que ele faz questão de marcar de modo indelével. Afinal, se a casa é de 1953, para que pressa? E, observando, nem os garçons têm pressa. Deslizam pelo salão em ritmo do distante século XX e sem afobação servil. Os clientes facilmente se adaptam.

Ao som dos Beatles, você analisa o cardápio - apesar de convicto de que irá comer feijoada, o forte da casa. E descobre que o menu é, na verdade, um museu vivo da culinária dos 60´s. Esta tudo lá! São quase 70 itens, divididos em classes que já não se usam: saladas e maioneses, sopas, massas e risotos, aves, peixes, carnes, porções, sobremesas e “fora do cardápio”. Você o lê com o mesmo interesse de quem folheia velhos números das revistas O Cruzeiro ou Manchete, com uma diferença: se quiser, poderá provar o gosto dos 60´s.

Maionese de camarão, maionese de frango; saladas mista, paulista, completa, além das simples - de alface e tomate, e de batata e palmito. Ao menos na São Paulo “chic”, caíram de moda a salada mista (alface, tomate, batata e cebola) bem como a paulista (alface, tomate, palmito, legumes, cebola, ovos cozidos, fatias de presunto e mussarela) e a “completa”, da qual a paulista é variação. O banimento da cebola, do ovo cozido, dos legumes cozidos e do palmito em conserva bem que pedem, dos chefs, chefinhos e chefetes, uma visita para uma “releitura”, isto é, um esforço de reabilitação. As sopas, então, saíram de moda pela porta do fundo. E o Star City apresenta, nesse capítulo, os cremes de palmito, de aspargos, de tomate e canja de galinha - completando o que hoje chamamos genericamente “entradas”. Mais 50´s ou 60´s impossível.

Massas e risotos compreendem os talharins variados, os ravioli, os gnocchi, capeletti e os risotos propriamente ditos (dois de frango e um de bacalhau). Há, nas massas, profusão de molho branco, mussarela, gratinados, além de ervilhas, orégano, presunto picado, tomate.

Você certamente já não sabe o que é um “supremo de frango à Georgetti”. Mas é o prato que abre o capítulo das aves (leva peito de frango - dito “supremo” - grelhado, molho com champignon, aspargos, ervilhas e batata sautée), onde figuram outros “supremos” e meios frangos grelhados com acompanhamentos variados, inclusive o “arroz à grega”.

Os peixes? Filés variados: a bon femme (que é bastante rico e complexo no original: bonne femme), apresentado como um simples filé “à dorê”, molho “rosê”, aspargos e purê de batatas; o filé “à Santista” (a dorê, batata, palmito a dorê, banana à milanesa e ervilhas); files ao molho de camarão; posta de namorado grelhado e arroz à grega; camarões - a Newburg, à baiana, à paulista, à grega e em strogonoff - além de truta à grega com alcaparras e batata soutê; e, claro, 4 espécies de bacalhau: ao forno, a Quintino, à portuguesa, à Gomes de Sá. A crase (indicando a versatilidade de preparar à maneira de qualquer origem) e a terminação em “ê”, simulando a autenticidade francesa de tudo.

Na classe das carnes, impera soberano o filet mignon. São sete versões: Cordon Bleau, Georgetti, parmegiana, com fritas, cubana, pizzaiolo. Um espaço para o misto à gaucha, picanha a Rio Grande, à crioula, ou simplesmente grelhada. Os lombos de porco?: à brasileira e à mineira. Este último, com batatas fritas, farofa de farinha de milho e couve. A casa apresenta ainda, “fora do cardápio”, língua ao molho madeira e cassoulet (infelizmente, sem pato...).

Quando o Star City se estabeleceu no atual endereço, estávamos próximos da inauguração do shopping Iguatemi e o eixo da São Paulo chic iria rapidamente se transladar do centro para lá. Mesmo a Rua Augusta, que vivera dias de glória na sua posição intermediária entre o centro e o bairro, começava a decair. No centrão, ficaram apenas ecos do passado, onde, pelo menos até o final dos 70´s, ainda era possível almoçar ou jantar com dignidade sem que se sentisse os bafos da “inovação” que sopravam na Paulista e, em seguida, nos Jardins (nesse caso, a nouvelle cuisine).

É incrível que a velha culinária ainda exista, com todas as suas características praticamente intocadas. Nota-se um francesismo difuso, mastigado, já no nome dos pratos que raramente guardam a grafia original, pois foram transmitidos oralmente através do tempo. Também nos ingredientes, a presença forte dos legumes em lata: ervilhas, aspargos, champignon, e mesmo coisas prosaicas como o milho, a cenoura e até o palmito. Havia algo de moderno nas latarias - modernidade que expressava, na alimentação, a inovação que o pós-guerra trouxera junto com a admiração pelo estilo de vida norte-americano, também homenageado pela adoção das receitas “newburg”, inventadas no último quartel do século XIX nos EUA.

Nomes que um dia foram “franceses”, ingredientes “americanizados”, tudo isso está sintetizado no cardápio do Star City. Além disso, alguns ícones da velha cozinha paulistana cujas origens mal podemos rastrear: bife a parmegiana, o estilo “à grega” (arroz ou camarão), massas com molho branco e assim por diante.

A feijoada? Sim, é boa. Uma qualidade que expressa quase 60 anos de prática, o que dificilmente pode significar surpresas indesejáveis. Talvez alguém prefira as modalidades “descontruidas” e “desengorduradas” - servidas como uma coleção de ingredientes separados - mas as modas passam e a feijoada “completa” fica. Talvez você cortasse de modo mais uniforme a bistequinha, talvez não servisse mandioca frita fora de época... são pensamentos que ocorrem enquanto se manduca um torresminho, frito na hora e crocante como o diabo gosta.

1 comentários:

Thiago disse...

Legal, vou visitar.

Postar um comentário