23/07/2012

Niveis de brasilidade

A culinária brasileira renovada há de ser fruto de diferentes tratamentos daquilo que constitui a alimentação brasileira, histórica ou presente.

Digamos que os modos de fazer - e, consequentemente, as receitas - vão perdendo as configurações mais primitivas para adquirir feições tecnológicas modernas. Um bom exemplo é a cocção a baixa temperatura. Não que fosse desconhecida, mas era de produção mais complexa antes dos fornos combinados, do Ronner, da Gastrovac, etc. Fica para trás a “costela assada por 30 horas”, orgulho de algumas churrascarias.

Então, a “brasilidade” fica mais por conta do reconhecimento (legibilidade) dos ingredientes. Mas estes também não são uniformes. É possível dividi-los em classes, segundo a origem e familiaridade:

(a)ingredientes presentes nos nossos biomas ou ecossistemas. São exemplos: mandioca, batata doce, amendoim, milho, pequi, centenas de frutas, castanha do Pará e assim por diante. É o recurso mais fácil, utilizado recorrentemente pelos chefs atuais. Mas pode resvalar para um particularismo tão grande que não seja reconhecido fora de uma região bem delimitada.

(b) ingredientes exóticos aclimatados. São exemplos: o alho, o coentro, as frutas européias, a cana de açúcar, as frutas asiáticas, os animais trazidos pelos colonizadores, como o porco, o boi, a galinha, o búfalo. Todos fazem parte do nosso cotidiano, pouco importando que, na origem, fossem exóticos. É o repertório mais universal, fruto de uma vivência histórica prolongada e mais ou menos uniforme em todo o território nacional.

(c)ingredientes importados, como a farinha de trigo e seus derivados (o macarrão, os bolos, etc), as frutas européias como a maçã, a pera, etc. O que os particulariza é que, ainda hoje, compõem a pauta de importação ou são identificados primordiamente com outras origens étnicas. É o recurso mais difícil. Pensemos, por exemplo, no wasabi (e na criatividade do sorvete de jabuticaba com wasabi, de Alex Atala...).

Um parâmetro importante para classificar essas coisas é o que constitui, hoje, o hábito alimentar. Claro que não é fácil levantar isso de modo minucioso, pois há variâncias regionais e locais que constituem justamente a riqueza do repertório da culinária brasileira mas de difícil visualização de forma unificada ou centralizada. Não temos, até hoje, qualquer instituição que tenha assumido essa tarefa de inventariar a grande variedade de comidas brasileiras; dai prevalecer uma visão caricata e folclorizada.

Mas um bom ponto de partida é a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE. Através dela se sabe quais as matérias primas que os brasileiros compram para cozinhar em casa, com diferenças marcantes por regiões e estados. É ir atrás do que fazem com isso nas suas casas, nas áreas de interesse dos pesquisadores.

A boa pesquisa sobre a culinária brasileira será aquela que, sem perder o pé nos hábitos alimentares populares, difundidos entre regiões, possa fazer uso do que for sem que se crie estranhamento capaz de produzir rejeição.

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