05/07/2012

O milho nosso de cada dia

Paladar, é claro, dedica-se aos registros e louvação do Paladar - Cozinha do Brasil. Edição especial do caderno, com 32 páginas, faz a apoteose do evento. Mais um relatório para guardar do que para ler numa leitura de 5ª.

Comida, seguindo na linha dos ingredientes, dá capa para o milho em forma de polenta. A matéria, de Marilia Miragaia, é bastante interessante, pois mostra como os chefs paulistanos ainda não se encontraram com o milho aqui produzido, preferindo trabalhar com o importado. Quem sabe estão comprando milho brasileiro reexportado para cá? - pois a própria Itália perdeu sua auto suficiência na produção do milho e, graças a doenças da planta, precisam importar cerca de 20% do que consomem internamente.


O desconhecimento do produto nacional, contudo, vai um pouco além. O ingrediente da polenta, o fubá, é chamado “farinha de milho” na matéria - o que, no Brasil, reporta a um outro produto, vendido no comércio como “farinha de milho” ou “beiju de milho”, feito com milho seco, reidratado, moído e assado em placas aquecidas. Esta é a farinha de milho da culinária brasileira. Com ela se faz, por exemplo, o cuscuz - nunca a polenta.

Há porém uma diferença de granulação no fubá - que é apenas o milho seco moído - que conta para preparo da polenta. Os italianos preferem uma granulação mais grossa do que nosso fubá mimoso; produto que aqui é vendido em geral sob o nome de “sêmola de milho” (igualzinha àquele que vem da Itália a R$ 15,00 o quilo), a R$ 2,50 no Mercado de Pinheiros ou no Mercado Central. Assim, vai se entendendo aos poucos porque os preços nos restaurantes nos parecem abusivos. E duvido que, numa prova às cegas, os neo-entendidos em polenta sejam capazes de adivinhar a procedência da “sêmola de milho”. Outro problema: os chefs, que prefeririam trabalhar com o fubá artesanal (ou com a mística do fubá artesanal...), não conseguem se articular com os produtores, e por isso se entregam à “facilidade” dos importados.

Por essas e outras - pela marginalidade do milho na gastronomia, embora não na alimentação popular - é que faremos, Ana Rita Suassuna e eu, um livro sobre a oposição simbólica entre o milho e a mandioca na culinária brasileira, conforme Comida anuncia. Nosso livro, já em elaboração, e que se chama provisoriamente Guerras da Mandioca e do Milho (parodiando o título das Guerras do Alecrim e Manjerona, opera joco-séria, de Antonio José da Silva, apelidado “O Judeu”), tratará do milho indígena em todo o território brasileiro e seu percurso até os usos atuais, fazendo contraponto à mandioca. Receitas não faltarão.

O milho conseguiu ser mais “proletário” do que a mandioca, pois era inicialmente alimento de índios e animais. Um livro interessante (Polenta & Cia: história e receitas, de Elsa Maria Vieira de Souza e Celia Maria de Moraes Dia, Paraná, 2011) mostra como o antigo angu dos brasileiros pobres se transformou na polenta dos italianos pobres do Vêneto, Piemonte, Trientino, Lombardia e Friuli que chegaram à serra paranaense. Aliás, polenta já era coisa de pobre na Itália. O “pensamento gourmet” não precisa falsear nada para mostrar a excelência das preparações com fubá ou sêmola de milho que nos chegam de longe.

E Comida faz uma entrevista com Ana Rita Suassuna, que aqui esteve a convite do Paladar - Cozinha do Brasil. Mais uma vez, ela destila seu conhecimento enciclopédico sobre a cozinha sertaneja. Pela primeira vez, algo que acontece no Paladar - Cozinha do Brasil deixa rastros no jornal concorrente. Bom para o leitor.

Comida traz também matéria assinada por Alexandra Forbes, sobre encontro de chefs em Copenhague, sob a batuta de René Redzepi. Lê-se que dentre as pessoas presentes “a maioria focou na importância de entender e pesquisar espécies animais e vegetais e preservá-las”. Já era tempo mesmo. Por aqui, precisaremos ainda algumas aulas de biologia para chegar a esse ponto, pois ainda grassa entre cozinheiros a confusão entre espécie e variedade.

Pela primeira vez em tanto tempo, a seção “Picadinho” tem alguma utilidade. Dedica-se a esclarecer o uso do azeite de oliva. Boa declaração de Isasc Azar: “o grau de acidez do azeite é imperceptível ao paladar humano”. Só testes laboratoriais o revelam. Mas a indústria insiste em manter a informação da acidez em destaque. O azeite marca Cardeal (que anuncia no Comida) distribuiu umas amostras no Paladar - Cozinha do Brasil, diferenciando entre aqueles de acidez 0,2%; 0,3%; 0,4% e 0,5% - dizendo que um é ideal para massas e peixes, o outro para carnes vermelhas e queijos fortes, o terceiro para frutos do mar e vegetais e o último para saladas e carnes brancas. Só rindo dessa ousadia do marketing. De novo, uma prova às cegas é necessária para que eles diferenciem um do outro... Contudo há um vacilo na classificação dos azeites, na matéria de Comida: extra virgem, virgem e “de oliva” (sic), que deveria ser “lampante”. De oliva todos são, não é?

Nas colunas, Alexandra Corvo nos leva à Grécia. Nina faz comovente cronica sobre a morte de uma amiga. Nas resenhas, Josimar visita Carmen, restaurante novo do ex-chef do Terraço Itália, agora com “pegada” brasileira. Sinal dos tempos. O mesmo restaurante já havia sido resenhado por Luiz Américo, no último dia 28.

1 comentários:

luiz horta disse...

carlos, tenho medo do seu avatar, parece um chacrinha cego. sonho com ele e a frederica se esconde dentro do armario quando ve.

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