02/08/2012

Amargos sem amarguras

De doce, chega a vida. É uma satisfação grande quando você lê um texto que trás à mente algo de que gosta mas que estava no esquecimento, como o vinho Amarone della Valpolicella que Alexandra Corvo pôs em destaque na sua coluna de Comida. Não é um vinho qualquer - o que quer dizer que não é para qualquer um - pois exige que se goste dos amargos, além de ter paciência para esperar uma longa decantação. E tampouco é um vinho barato; mas se você tomar um por ano não ficará tão caro assim, dividindo o prazer pelos dias que ele durará em sua mente, estabelecendo a relação ideal qualidade-preço. Enfim, o importante é a forma da racionalização da qual decorre o valor e o prazer da lembrança.

Corvo chama a atenção para o gosto médio italiano, que inclui os amargos e o alcaçuz. É verdade. Temos pé atrás com o amargo e até no gosto pela cerveja privilegiamos aquelas aguadas, menos amargas, xixi de gato. Quero dizer, a industria entende assim. Na matéria de Priscila Patre-Rossi, na mesma página, há resenha de várias cervejas (moda na qual Comida embarcou com tudo) onde se apontam “toques de rapadura e alto amargor”.

Precisamos aprofundar nosso conhecimento e discurso sobre o amargo. Ele é um sabor que encerra diferentes percepções. Uma pesquisa realizada na Univ. de Miami, por Alejandro Caicedo e Stephen Roper, mostra que o aparelho gustativo distingue muitos tipos de “amargos”, isto é, as célular reagem diferentemente aos compostos que lhes são apresentados - cicloheximida; quinina; benzoato de denatônia, feniltiocarbamida; octaacetato de sacarose - e nem todos os indivíduos revelam a mesma sensibilidade.

Nomes químicos complexos, mas empiricamente sabemos que o amargo da água tônica é diverso daquele de certos remédios ou dos adoçantes artificiais; e sabemos que os açúcares suprimem alguns, outros não. Podemos fazer uma experiência e comparar a água tônica diet com a dita “normal”. A diet de certa marca me parece melhor que a “normal”, sem resíduo amargo desagradável, ao passo que a normal é demasiadamente doce. Me parece que o quinino e a sacarina sódica interagem na versão diet resultando numa percepção de sabor mais agradável. Ou seja, a rigor não existe “amargo”, mas “amargos”. O que aparece ao lado da rapadura na cerveja acima citada é qual deles? As teorias sobre harmonização precisam, na busca da exatidão, dar conta dessa diversidade, pois organolepticamente o amargo varia.

Coincidentemente, na sua estréia como colunista de Paladar, Neide Rigo fala do amargo da semente de cupuaçu, “não de travar a garganta”. Se nós, brasileiros, apreciamos moderadamente o amargo; não gostamos do alcaçuz e muito menos do anis - isso tudo define o “carater gustativo” de um povo, o que é tema prá lá de interessante para se investigar.

Mas, voltemos ao Paladar. A coluna de Neide Rigo é uma excelente notícia. Especialmente numa época em que reporter raramente sai da redação ou larga o telefone, a experiência acumulada de viagens de Neide Rigo é um imenso patrimônio que o jornal adquiriu. Além do mais, estuda, pensa bem e escreve bem. Pena que sua coluna será quinzenal.

O jornal traz outra boa notícia: a inauguração do Le Jazz II na rua Dr. Melo Alves. Não tanto pelo endereço, mas pelo fato de ampliar a oferta de serviços que, na rua dos Pinheiros, já estava ficando incomoda. Os meninos são bons, o restaurante novo será novo capítulo do velho sucesso.

Josimar Melo, em matéria de capa do Comida, aproveita a baciada das Olimpíadas para traçar os horizontes modernos da gastronomia inglesa (ou londrina), Haston Blumenthal à frente. Ele destaca o papel inovador que muitos franceses tiveram, a começar pelos irmãos Roux - esses padeiros maravilhosos. Talvez tenha esquecido de frisar a influência italiana de Antonio Carluccio - o homem que ensinou aos ingleses como comer massas e cogumelos. Não é pouco.

Outra matéria dá conta de que o Brasil será homenageado no Madrid Fusión. Até hoje não captei bem no que consistem essas homenagens que, periodicamente, os cozinheiros e suas instituições fazem uns para os outros.

Digamos que os cozinheiros e produtos brasileiros terão um destaque maior na midia do evento. Vamos aguardar para ver. Peru e Coréia estão “na moda mundial” graças a essas iniciativas, às vezes decorrentes de um forte estímulo (grana) dado pelos governos respectivos. Além disso, o carro-forte da cozinha peruana - o ceviche - é uma técnica de preparação que Gaston Acurio mostrou no último Gastronomika que viaja dentro do cozinheiro. Assim como o sashimi. Ao contrário da “cozinha de ingredientes”, como a nossa tem sido mostrada “lá fora”, que exige o transporte de enormes recipientes de isopor, levando pirarucus congelados, farinhas de mandioca, polpa de cupuaçu.

Mas vamos investir no 2014, certamente. Algo deverá respingar na mesa gourmet. A Embratur, para falar da nossa gastronomia, vai precisar de umas caras para apresentar ao mundo e isso, certamente, custará alguma grana.

No Paladar, Luiz Horta investe - com razão - contra a tirania das taças Riedel. Cacoete de snobs que nada tem a ver com a qualidade do vinho. E nos conta como “harmonizar” vinho com formiga, se você for jantar no DOM. Será um vinho da região do Jura, indefectivelmente numa taça Riedel...

1 comentários:

wair de paula disse...

talvez pelo fato de ser admirador confesso da Neide Rigo (como tantos outros), achei que o caderno ganhou outro peso com esta blogueira/estudiosa/cientista.

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