04/10/2012

Leitor de 5ª: entre padarias, Instagram, e o bufê de Nina Horta


Os cadernos de hoje estão mais para sociologia do que gastronomia. 

Paladar traz na capa o fenômeno da profusão de fotos de comida no Instagram. Entre o prato e a boca se interpõe o voyerismo do outro (ou o exibicionismo de quem come). O testemunho do aqui e agora parece que deixará para trás o aparato pesado das fotos produzidas para revistas e jornais. É esperar para ver. E que isso forma uma sub-cultura gastronômica também é verdade. Basta você seguir por um tempo fabmoon no Istagram para entender o que estou dizendo.

Boa matéria de capa do Comida, assinada por Marília Miragaia e Andé Barcinski, sobre as megapadarias que pipocam aqui e ali. Elas vendem de tudo um pouco, e se fortalecem vendendo refeições - café da manhã, almoço, jantar e delivery - e diminuindo a importância relativa do pão no conjunto. A interpretação da dupla é que, nos anos 1980, os supermercados absorveram as padarias e estas precisaram se diversificar. 

De verdade, com o governo Lula e o aumento da renda “dos de baixo”, houve um incremento das vendas das padarias e lanchonetes. A padaria é a situação mais buscada por quem precisa comer fora e não tem muita grana.   Coxinhas, sanduíches, sucos... 

Hoje, quem ganha R$ 830,00 gasta 17% com alimentação fora do lar; quem ganha entre R$ 2500 e R$ 4000, gasta 33%, e quem ganha mais de R$ 10.000, gasta 50% com alimentação comendo fora. Os ricos comem fora como os norte-americanos; os remediados, como os europeus. São dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF, 2009). Padarias e lanchonetes, “quilos” e restaurantes formais, parecem ser os três produtos da indústria da restauração dirigidos a diferentes segmentos de renda.

Foram as padarias e lanchonetes que mais  captaram a expansão desse novo público afluente, e deverão continuar a crescer pelos próximos anos, segundo estimativas das consultorias especializadas. No cálculo de faturamento por m2, as padarias (snacks e cafeterias) estão em torno de R$ 17.600, ao passo que comida asiática, por exemplo, fica em torno de R$ 12.400.  O ticket médio nas padarias é de R$7,85;  na aquisição de sanduíches sobe para R$11,00 e em pizzas e massas, R$ 16,67.

Mas a uniformidade desses estabelecimentos é apenas uma aparência, que é preciso transpor. Na Maria Louca (Ipiranga), por exemplo, há uma produção de patisserie gourmand, com excelentes brioches, croissants e viennoiserie, feitos pelo francês Christophe Guillard, que antes tinha seu negócio próprio e fornecia para hotéis 5 estrelas & restaurantes ajardinados. Seus produtos valem um passeio às margens plácidas, pois onde as padarias usam os famigerados “pré-mix”, Guillard teima, com maestria, na tradição.

Não gostei da coluna “Isso eu não como”, no “Picadinho” do Comida. Para que? O que ensina? Absolutamente nada. É a anti-gastronomia, e traz aquele ranço de quem odiou óleo de fígado de bacalhau na infância-prá-toda-vida. O caso do Flávio Miyamura é grave: não gosta de mel. Trauma de infância e gastronomia não combinam, e sua "questão" com o doce se reflete nas sobremesas do seu restaurante.

Por falar em repulsa, Alexandra Forbes explora o tema dos “podres” na gastronomias. Mistura um pouco as coisas - garum, banana “passada”, fermentados como vinho, cerveja... - mas dá para entender: agora se presta atenção nos processos de fermentação, que ganham mais espaço na gastronomia. Mas a repugnância é importante para mostrar as fronteiras de determinada cultura. 

Assim como não existem estados puros do “cru” - nos ensinou Lévi-Strauss -  também a putrefação só é tolerada sob certas formas espontâneas ou controladas, que variam entre as culturas. Na nossa até existe a “podridão nobre”. E os microorganismos crescem em importância gastronômica justamente quando a Anvisa difunde suas campanhas contra o que chama “germes”, perseguindo até tábua de madeira... Portanto, mais problemas à vista nessa nova onda. O “mundo limpinho” é sempre um problema. O faisandé já não é admissível pelos higienistas.

Nina Horta, continuando com os bufês, não recomenda o livro de cozinha judaico-indiana que citou semana passada. Além disso, escreveu: “O crítico de quinta sugeriu que talvez eu não pudesse fazer isso (explorar o tema bufês no Comida) por ser dona de um. A Folha e eu não achamos o mesmo”. O que o crítico de 5ª (moi-même) escreveu: Paladar lança mais uma campanha para escolher um crítico como jurado do Premio Paladar. Dentre as coisas que se exige: não ter envolvimento ou interesse em bares, restaurantes e lanchonetes. Uma visão miúda de "independência". Melhor seria se considerassem apenas os textos, não os "interesses". Uma nova Nina Horta (que tem "interesse" num bufê) não passaria no concurso do Estadão... ”. Coisas muuuito diferentes, não é? 

Eu apenas queria dizer que uma pessoa não é um mecanismo que transfere para a escrita refletida os seus “interesses” comerciais. Meu argumento era anti-mecanicista, e imaginei não ter me expressado mal, pois penso o contrário do que Nina interpretou sobre o que escrevi! 

Nós, do lado de cá dos jornais, nem sempre comungamos com a visão positivista do jornalismo: de um lado os fatos, do outro as interpretações movidas por interesses e paixões. O mundo é misturado, por mais que inutilmente se esforcem para vivissecciona-lo.  A “objetividade dos fatos”, ficção científica do final do século XIX, sobrevive em poucos recantos, e o jornalismo é um deles. Falta lerem Ilusões Perdidas (Balzac) no curso de jornalismo. Daí a falsa questão que o concurso do Paladar introduz na sua escolha de críticos. Pessoalmente, quero mais bufê por quem entende de bufê e, convenhamos, quem inventou o bufê moderno em São Paulo foi Nina Horta. Há antes do Ginger e depois dele.



Luiz Fecarotta nos dá um endereço na ZL. A Casa do Nordeste São Lucas. Fava, carne seca, feijão de corda, dobradinha, e um empório com geléias de frutas, manteiga de garrafa, etc. Para quem procura novidades, tem a vantagem de ser fora do circuito Elisabeth Arden da gastronomia paulistana. Olivia Fraga, de NY, adianta o lançamento de livro de bolso de dissidente do grupo de Nathan Myhrvold que pretende levar a cozinha molecular até em casa.

Luiz Américo resenha dois japoneses (Sakagura A1 e Dô Culinária Japonesa). Deixa de se perguntar/responder por que? e vale?. Vinhos: Luiz Horta com os Douro; Alexandra Corvo com os Barbera.

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