13/11/2012

A nouvelle cuisine de terroir - I


O termo cunhado por Marc Champerad - nouvelle cuisine de terroir - para designar a “volta ao terroir” a partir dos anos 80 é bastante arguto. Ele se refere à gastronomização da culinária tradicional, popular ou mesmo regional, que passou por um processo de transformação das representações associadas ao espaço social alimentar. 

Produtos, modos de fazer, maneiras de comer, agora são vistos como coisas a serem preservadas por representarem parte da “identidade” das pessoas. Nesse sentido, a gastronomização se move segundo uma lógica distinta daquela que presidiu a formação histórica das AOCs francesas - muito ligadas à dinâmica da competição entre territórios, isto é, entre produtores agrupados sob uma denominação territorial -  sobrepondo-se a elas e promovendo novas acomodações. Revelam-se, contudo, novas contradições. Por exemplo, entre as dimensões “identitária” e sanitária, como tem sido visto na afirmação de produtos como os queijos de leite cru em toda parte do mundo. Ou no que se refere à logística, totalmente diferente quando mudam os destinatários dos produtos locais.

De fato, ao transcenderem o “local” por conta de uma demanda gastronômica, os produtos de terroir ingressam num novo espaço político e normativo, onde enfrentam a concorrência não só de outros terroirs - como no passado - como também da indústria e do comércio mais bem articulados com o Estado, capazes portanto de erigir barreiras sob a forma de um ambiente jurídico-político para o qual não estão preparados os produtores locais. 

A tensão resultará em duas situações: os produtos que conseguem transcender o local, ganhando os mercados nacionais e internacionais, e aqueles que, por debilidade política (jurídica, sanitária, bem entendido) não conseguem se projetar para além dos espaços tradicionais e que passam a depender exclusivamente das estratégias de manutenção da sua vitalidade original. Movimentos como o Slow Food e tantos outros desenham suas políticas com vistas a interferir nessa contradição global/local de modo a preservar viva uma solução alimentar tradicional.

Gaston Acurio viaja o mundo divulgado o “terroir Peru”. Um carro-chefe dessa empreitada é o ceviche. Me recordo de sua fala no Gastronomika de 2011, dizendo que o ceviche conquistou o mundo porque viaja dentro da cabeça dos cozinheiros, podendo ser feito com peixes de qualquer lugar, como demonstrou no país basco. E me recordo também das enormes caixas de isopor onde viajam os pirarucus que Thiago Castanho, num esforço semelhante ao de Acurio mas a favor da Amazônia, carrega para todo evento do qual participa. Assim, uma questão básica é esta: o que é o patrimônio culinário? Diferentes respostas a essa questão originam diferentes perspectivas de análise.

0 comentários:

Postar um comentário