15/11/2012

Vilas novas, gastronomia e espaço


Desde que ficamos órfãos do El Bulli, quando se discutia emoção versus racionalidade, a busca novidadeira ficou errática, um olho cego procurando por um... motivo para comer fora. Nas classes altas brasileiras já se gasta 50% do dispêndio com alimentação justamente fora de casa. Não é fácil manter animado esse front de despesas. Não é fácil encontrar conforto para o corpo e para a alma. Nem sempre se acerta.

A capa do Comida traz essa moda do pop-up, “sucesso nos EUA e Europa” (sic). O promissor chef Rafael Dispirite posa de pioneiro local do pop-up. Jantares fora dos espaços convencionais de restaurante: vale o topo de um prédio, um estacionamento, uma loja fechada, um guindaste, uma mina de carvão abandonada e assim por diante. Situações que dispensam a conversa sobre comida, que ficou monótona, sem rumo. Antigamente (e bota antigamente nisso!), fora de casa e dos restaurantes havia a hípica, o jockey club, o deck da piscina, a casa de campo. Por contraste, se vê a pobreza a que vai se reduzido o frisson da vida burguesa. Digamos que, no mínimo, a comida se desvaloriza.

Para a auto-salvação, felizmente, há os outros 50% que se gasta com coisas que se coloca dentro de casa. Mas só os conservadores estabelecem vínculos entre refeição e acolhimento (esse “conservadorismo” chic e inteligente vem reconquistando terreno entre jovens ). Não é sem razão, portanto, que Paladar resenha livro de Rita Lobo sobre a arte de receber. Dá trabalho pensar, ser generoso e altruísta. Contudo é o horizonte moderno para o qual aponta a arquitetura das cozinhas gourmets. E se você não cuidar de povoar sua casa, acabará comendo num estacionamento. Se tiver sorte, ao lado do seu próprio carro.

Os restaurantes com endereço fixo também se desenvolvem de uma forma que vale notar. Josimar Melo resenhou a nova casa na Vila Nova Conceição, o Éclat, com cozinha de Mariana Gilbertoni. Luiz Américo também havia resenhado a casa há 15 dias. Por coincidência, fui lá. 

A comida de Mariana é de execução impecável, se descontarmos às vezes uma leve falta de sal. Sua formação também é impecável: El Celler de Can Roca, Mugaritz, Daniel Boulud, DOM. Embora ainda não tenha “nome” como outros chefs da praça, come-se lá excelente barriga de porco, excelente bochecha, excelente robalo; bom camarão com abobrinha. Come-se essas coisas tecnicamente tão bem feitas como em outros lugares de perfil assemelhado (cozinha moderna). Até a escolha das carnes e seus cortes coloca o cliente nesse território no qual se desenvolvem as cozinhas de chefs  que vão ocupando lugar de destaque na cidade. 

Deixando de lado uma eventual proximidade física, por que ir a um lugar e não a outro? Deveria ser por aquilo que diferencia esses restaurantes, não pelo que os nivela, ainda que no bom e agradável. 

Mas o lado divertido de um restaurante não se resume à comida, por melhor que seja. A decoração? Bem, a cor que salta à vista no Éclat é o azul-Hermès; as mesas, patinadas e com um joguinho americano mequetrefe; lustres horrendos; e exibe colunas revestidas de espelhos, como há uma parede de espelhos no Attimo. Burguesia narcisista parece achar feito tudo o que não é espelho. A vantagem é que ajuda a descobrir vampiros nesses tempos crepusculares.



O teto? Bem, esta é uma surpresa que não vou estragar... Mas saiba que o projeto do Éclat é de Olegário de Sá. Sobre ele e seu sócio, diz a revista Caras, a respeito do premio Top 100 Kaza: “Os vencedores, pela quinta vez consecutiva, foram o arquiteto Olegário de Sá e o decorador Gilberto Cioni. O ranking reuniu 125 escritórios brasileiros de arquitetura e design, indicados pelos consumidores e pelas mais importantes associações de  decoração do país”. O escritório da dupla é uma potência; o prêmio é concedido na ilha de Comandatuba - essa espécie de Republica de San Marino encravada na Bahia que, infelizmente, ainda não contribui para a filatelia como a república encravada na Itália.

Então, é assim que se faz restaurantes nas vilas novas de São Paulo de hoje: donos sem experiência, uma cozinheira competente e com frequência a cara de Caras por todo lado. Se a boa  comida está prisioneira desse esquema, é natural que ela migre para estacionamentos e assemelhados. Ou para comida de rua. Ela quer respirar, e não tem compromisso com o décor que a torna adereço de uma estética Maiami-Barra da Tijuca. Acho que a crítica gastronômica deveria se ater um pouco mais aos aspectos exteriores à comida que, sem dúvida, influenciam muito nosso conforto.

Ecos do Mesa Tendências no Comida. Matéria não assinada retrata discussão sobre a formação dos chefinhos nas faculdades de gastronomia. Foi uma babel, segundo Comida. Não vi, mas sabemos que é um dos temas mais importantes da atual quadra da gastronomia brasileira. Gisela Brandão, do Senac, anunciou o curso de pós-graduação em Culinária Brasileira que começará ano que vem. Participei do grupo de consultores que formatou o curso e acho que ficou bom. 

Outros ecos: Alice Walters visita horta-do-bem em São Paulo. Chefs americanos deambulam pela cidade comendo; e gostando! Tudo segundo Alexandra Forbes. 

Alexandra Corvo fala dos vinhos de pinot grigio, italianos e novomundistas. Luiz Horta dá notícia de livro de fôlego editado por Jancis Robinson: Wine Grapes: A Complete Guide to 1.368 Vine Varieties, Including their Origins and Flavours. Jancis concedeu-lhe uma entrevista que vale ler, além do livro.

Nina Horta propõe que fiquemos amigos dos micróbios, como se exige para fazer pão. Ótima ideia em tempos limpinhos, comandados pela Anvisa e pela indústria de desodorantes íntimos & ambientais.

Matéria de capa de Paladar sobre a flor de sal produzida em Mosoró. Ficamos sabendo que a Anvisa considera a possibilidade de liberar a adição de iodo ao sal, porque  admite-se produtos estrangeirso que “geralmente entram no País como tempero, não como sal”. É uma boa notícia, embora seja difícil ver o sal como algo distinto de tempero.

Para um feriadão é o que basta!

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