28/11/2013

A volta aos ingredientes - II

A culinária nacional, vista como coleção de receitas (feijoada, vatapá, barreado, etc), não é propriamente culinária de ingredientes, pois os pratos elaborados resumem vários deles. São pratos que tendem a ser relacionados com as “cozinhas regionais” ou com suas supostas origens étnicas - classificações tradicionais bastante problemáticas. Mas os ingredientes também são contaminados por esses contornos imprecisos.

O quiabo é “africano”? O pequi, “goiano”? As formigas são “indígenas”? Umbu é “nordestino”? São adjetivações que nada acrescentam a esses ingredientes, exceto velhas chaves de análise. 

Outra categoria que não ajuda é a dos ingredientes “naturais” ou “espontâneos”. A pupunha é natural da Amazônia mas tem muito pouco de “espontânea”, por exemplo. Povos antigos são responsáveis pela seleção artificial da pupunha que hoje conhecemos e consumimos: de uma fruta com cerca de 1g. em formas silvestres, atingiu 70 grs. em terras arqueológicas dos povos amazônicos. Estudando plantas cultivadas pelos índios, o professor Warwick Kerr descobriu dezenas de variedades de mandioca para diferentes povos; abiu com 900 gramas de peso; sapota com 600 grs. e assim por diante. São mais de 50 espécies comprovadamente selecionadas por povos indígenas. Assim, o que parece “natural” é, obviamente, cultural.


Ingredientes “culturais” tem um valor especial, incorporando o gosto dos naturais da terra ao longo dos séculos. Ingredientes apenas “naturais” seriam, então, aqueles espontâneos ainda não incorporados em dietas, como parte das chamadas PANCs (plantas alimentícias não-convencionais). 

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