02/12/2013

A volta aos ingredientes III


Nos parece natural apanhar uma maçã na árvore e morde-la. Afinal, ela simula estar lá à nossa espera (e, de fato, está). Agora, e se fizermos o mesmo com um fruto do pequizeiro? Saber o que fazer com os ingredientes naturais é tão importante quando saber prepara-lo. A rigor, é a mesma coisa, a diferença estará sempre no plano da cultura alimentar. Mas os livros de receita só mencionarão os ingredientes mais usuais; em geral não exploram fronteiras.

A utilidade é o critério básico de nossa relação com a natureza. Aquilo para o que não conseguimos descobrir uma utilidade alimentar jamais ingressará na cozinha. Mas a utilidade pode estar escondida. Por exemplo, conheço muitas receitas de licor de jabuticaba e muitas trazem como ingrediente um pedaço de carvão vegetal. O carvão vegetal, portanto, é um ingrediente da cozinha brasileira. Sabe-se lá como chegou ai.

Não podemos fugir de uma condição: sem conhecer a cultura na qual o ingrediente está inscrito dificilmente chegaremos à sua utilidade. Ele é saboroso, nutritivo, não é tóxico, como prepara-lo? São questões a enfrentar sempre - seja na prática isolada de um chef, seja em laboratórios de pesquisa.

Por isso é sempre bom um pouco de etnografia. Alguém utiliza isso? Como o faz? Posso fazer de modo diferente?  Se olhamos tudo o que existe numa garrafada, por exemplo, encontraremos uma coleção de coisas utilizáveis. Se olharmos no Ver-o-peso, na seção de banhos de cheiro, também encontraremos coisas interessantes, mas não saberemos se são toxicas ou não para o consumo alimentar. Assim, é desejável explorar inicialmente algumas fontes já disponíveis, de modo sistemático ou não:

  1. Os integrantes da culinária tradicional que não ganharam, ainda, expressão nacional. É exemplo o puxuri (Licaria puchury-major), cuja única aplicação culinária conhecida vem do interior do Estado do Amazonas, onde se faz um bolo da polpa da fruta. Há registros, contudo, que dão conta do interesse dos ingleses por ele, já no século XVIII, como integrante do ponche.
  2. Os ingredientes que, apesar de largamente utilizados de outras formas, ainda não foram associados ao uso culinário no Brasil. É o caso do cumaru (Dipteryx odorata), natural da Amazônia, utilizado para fins medicinais no Brasil e para fins gastronômicos na Europa.
  3. As fontes botânicas, de natureza científica, como o imenso repertório da Flora Brasiliensis de von Marthius  tão diversas, ricas, e tão pouco frequentada por pesquisadores de gastronomia.
  4. Os produtos do conhecimento etno-botânico. Remontam às antigas culturas indígenas ou aos primeiro colonizadores, em usos culinários restritos a certos povos ou episódicos na história nacional e se apresentam como fontes documentais em diferentes graus de estruturação. As cadeiras de etno-farmácia de várias universidades federais são fontes de inestimável valor. Como a Universidade Federal da Bahia, cuja titular de etnofarmácia encontrou meia dúzia de ervas utilizadas na cozlnha, logo em frente ao complexo turístico da Costa dos Coqueiros, sem que qualquer chef de qualquer restaurante ali situado as conhecesse.
  5. Há que se ler com muita atenção o magnífico livro publicado pelo MMA, Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial que dá conta de ingredientes nativos da região Sul do país. Para breve, prometem a edição de volumes igualmente importantes para a Amazônia e para o Cerrado.


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