23/06/2014

O vinho azedo do Sr. Pondé

O Sr. Pondé, representante da nova direita (como se algo arcaico pudesse ser “novo”), investe hoje contra a enologia e gastronomia (“Afetações de um vira-lata”), dentro de seu plano de reduzir a cultura a um protocolo burocrático. Diz ele: “A afetação com vinhos é um sintoma clássico. Chegamos ao pronto de ser melhor não falar sobre vinhos em jantares inteligentes para que não pensem que somos gente que faz curso de enologia. Na verdade, quem entende mesmo de vinho deve ficar calado quando os outros começam a expor seus cursos feitos por ai. Nunca se deve usar expressões como ´amadeirado´.
Sim, falo das afetações típicas de brasileiros e paulistanos, mais especificamente. A burguesia sempre sofreu de complexo de vira-lata em relação à aristocracia (...)”.
E, no caso do Brasil, em relação à Europa.


Mas como se pode chegar a um bom entendimento do que mal se conhece a não ser recorrendo a informações de que não se dispõe, como através de um curso? Seria bom se indicasse ao leitor o seu “caminho verdadeiro”, mas a sua afetação ideológica é tamanha que nem pensa em esboçar uma pedagogia do vinho que lhe pareça correta. Pondé pensa que todos somos vítimas do fetiche do vinho como “obra de arte” (Lucien Karpik, L´économie des singularités, Paris, Gallimard, 2007), esquecendo que o vinho lhe é anterior. Para ele, a coisa que a burguesia toca se degenera, como um Midas invertido.

A impressão que me dá é que, para Pondé, a cultura só vale como signo distintivo no que chama “jantares inteligentes”. Não se trata de situar o sujeito no mundo, mas primordialmente nos espaços sociais de celebração. O velho salão da aristocracia foi substituído por ajuntamentos de pequenos burgueses ilustrados (dentre os quais, obviamente, ele se inclui). Portanto, a ele não interessa se o sujeito pode conquistar uma relação mais amigável com os vinhos, mas como, através dos vinhos, este se inclui em determinado círculo social.

Seguindo, ele acrescenta: “Outra afetação é querer ir a restaurantes “melhores do mundo” (...). Restaurantes assim são aquele tipo de lugar que você vai mais para ser visto lá do que pela comida mesmo, que às vezes é tão chique que o gosto se perde na sofisticação fake. Claro, bons restaurantes existem, mas nada tem a ver com excesso de propaganda”.

Restaurantes “para ver e ser visto” estão longe de ser os melhores, sabemos. Nem sequer conseguem ser confundidos com estes, a não ser por pessoas cuja cultura culinária não atingiu a dimensão lúdica do comer. Os que assim a compreendem buscam, na verdade, e em qualquer parte, um dos caminhos possíveis de rencantamento do mundo. É claro que a relação disso com a propaganda é problemática, e seria de esperar que um filósofo nos abrisse a compreensão desse problema. Mas “comida chique” nem sei o que é. Deve ser a comida do Paris 6...


Essa coisa de enologia e gastronomia pode ser muito chata, e em geral é. Especialmente quando o comentarista não faz ideia do que se trata.
 

Por fim,  nos vem o filósofo: “como sempre, toda elegância é discreta, assim como toda virtude é silenciosa”. Uma visão aristocrática de ambas, pois, como nunca, precisamos de virtudes públicas e elegância escancarada.

6 comentários:

RM disse...

Dória, não vamos discutir, mas arcaica é qualquer linha de pensamento politico-economico que tenha a palavra social no seu conceito. beijo.

e-BocaLivre disse...

MOntanha,
Não exagere!

limongigasparini@gmail.com disse...

Recomendo fortemente que o autor releia e repense. A interpretação que fez do texto publicado ontem na Folha é totalmente divorciada do que lá vai dito. O que se explica: O presente artigo é nada além do que um mero xilique ideológico. Pudera. Pondé tocou na ferida do esquerdista que gosta de vinhos caros e restaurantes da moda.

E a direita é que é arcaica. Sei.

Breno Raigorodsky disse...

É verdade, o Pondé é um entojo, concordo. Mas que elegância sempre será discreta, não dá pra ser diferente, porque significa equilíbrio nas qualidades. O vinho elegante se diferencia do medíocre aos poucos. Vai mostrando complexidade, corpo, tonalidades, permanência, não é? Vai sendo descortinado, não aquela coisa que enche a boca com um tom que depois de 3 goles enjoa.

Unknown disse...

"A COR NOVA do uniforme da polícia militar me agradou. Saiu o cinza cor de nada e seu lugar foi ocupado por um tom bem escolhido de azul. Num terno, a cor não funcionaria bem; com certeza seria sinal de cafonice ou atestado de poucos recursos financeiros. Mas no uniforme ficou muito bom." Prefiro ter 'chiliques' (vamos nos ater ao português correto) do que admirar uniformes da honrável policia militar. Meus parabéns...

limongigasparini@gmail.com disse...

Perdi uns segundinhos, deixando que a dúvida me devorasse: Respondo ou não? Respondo, e no final digo por que.

Bem, errei ao escrever "xilique". Só posso agradecer a correção. Vivendo e aprendendo. Dou de barato que não foi um desaforo, coisa do tipo "ora essa, nem sabe que o certo é "chilique" e aparece por ai para dar pitaco". É isto, errei, não vou errar nunca mais. Obrigadão!

E obrigado mais uma vez por visitar meu bloguinho, que não tem absolutamente divulgação nenhuma. De vez em nunca tenho vontade de escrever, escrevo e resolvi registrar lá. Não há pau no HD que me faça perder meus textinhos. E se, um dia, meio bêbado, eu diga para um amigo "puxa, eu até que gosto de escrever, já até escrevi alguma coisinha", posso, muito pragmaticamente, apontar-lhe o sítio e, pronto, ele pode, se quiser, perder seu tempo comigo.

Mas espero que quem vá perder seu tempo comigo se digne a ler direito. Não vou fazer interpretação de texto, e me basto dizendo que este primeiro parágrafo é um mero pretexto. Não estou admirando uniforme nenhum.

E por que deveria dizer isto? Para provar que o caro Marco Briani, que se abespinhou comigo, é, certamente, mais um destes fanáticos fundamentalistas, que se ofendem com a diversidade de opinião e sequer conseguem sustentar alguma opinião, preferindo - por falta de opção - partir para a chifrada mesmo.

O que demonstra cientificamente que toda esquerda militante é burra e, por burra que seja, arcaica.

Obrigado de novo, Marco Briani!

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