05/11/2014

O verão e a hora da verdade dos sorvetes

Demorou, mas Comida resolveu enfrentar a questão: afinal, o que é “sorvete artesanal”? Já havia abordado o tema, sem sucesso, preferindo o elogio ao Bacio di Latte, cadeia industrial que se apresenta como “artesanal”.

O jornal assume que o “artesanal”  tem “cores suaves, textura aveludada e cremosa (pouco airada) e sabor persistente”. Não consigo imaginar um sorvete artesanal de açaí com “cores suaves”...

Gourmet é um adjetivo que se pespega em tudo. “Artesanal” também. Uma subversão linguística sobre um fundo histórico de contornos nem sempre conhecidos.

Sorvete artesanal era aquele feito em sorveterias nas cidades do interior, antes da chegada massiva do Kibon. O sujeito tinha apenas duas mãos, o sentimento do mundo e uma máquina Carpegiani de eixo vertical. O que saia dali, dependia da sua sensibilidade e destreza. Não raro, “batia” o sorvete duas vezes ao dia para estar sempre no seu melhor ponto, antes de “desmontar” por falta de estabilizantes. Se quisermos embelezar, digamos que as crianças ficavam rondando a sorveteria esperando a hora em que o dito cujo ficava pronto, fresquinho. Isso, hoje, é apenas um retrato na parede...

Na matéria de Comida, vemos que os visitados, em sua quase totalidade, usam uma “base neutra própria para....”. Escapa dessa regra o Frida & Mina, como escapa, lá em Brasília, a Sorbê, da glacier Rita de Medeiros.

Embora a matéria do Comida se chame “Sorvete no raio-x”, não consegue desvendar o que tem nessa “base neutra”, nessa caixa preta revestida por chumbo que o raio-x não penetra... Uma pena, essa falha de investigação. Creio que se trate no mínimo de estabilizantes e emulsificantes, como agar-agar e outros. Melhor seria perguntar para um engenheiro de alimentos...

A mistificação moderna aparece plena na fala da Bacio di Latte, que usa amplamente “uma mistura industrializada de açúcares, emulsificantes e estabilizantes - ingredientes de origem vegetal mas processados industrialmente”. Chama seu sorvete de “artesanal” porque o finaliza na loja.

Quando se faz um sorvete artesanal, o  uso das diferentes bases - água, leite, creme de leite - é decidido de acordo com as características da fruta ou do saporificante, que pode ser uma castanha, por exemplo. Entram no cálculo a densidade da polpa, a gordura,  a acidez, o aroma. No sorvete industrial, ao contrário: a base é a mesma, e sobre ela se acrescenta um saporificante ou aromatizante.

A expansão da indústria com cara de “artesanato” se deve a uma evolução técnico-industrial e, também, à adoção de um novo modelo de negócio onde as “sorveterias” são lugares de finalização do processo industrial. A expansão da Bacio di Latte, da rede argentina Freddo, Diletto, Stuzzi e tantas outras se deve a esse up grade técnico. 


É claro que há “bases brancas” de várias qualidades, e elas utilizam as melhores bases importadas da Itália e Argentina. Mas estão longe de serem “artesanais” no antigo sentido da palavra - quando designava um sorvete todo feito no estabelecimento, segundo técnicas tradicionais, fosse ele “sorbet” ou “glace”, conforme as categorias consagradas pela pâtisserie.

O verão é sempre a hora da verdade dos sorvetes. E não tenho dúvidas, vence o industrial. O artesanal, como do Frida & Mina, não é tão apreciado justamente por aquela falta de textura dita “perfeita” que as gororobas industriais emprestam ao produto.

Sim, e o jornal anuncia que vêm ai as “paletas mexicanas”, picolés grandes de recheios variados, como o indefectível leite condensado. Experimentei alguns da marca Muchachos. Gostei. Mas este será outro capítulo na história dos sorvetes dispostos para os paulistanos.

4 comentários:

Sandro Marques disse...

Os melhores sorvetes de São Paulo estão nas sobremesas do Epice. E aqui na Lapa eu ainda tomo sorvete do interior, na Cristal Sorroche, que fica na rua Aurélia.

Cultura Amazônica disse...

Aqui em Belém o sorvete de leite condensado já tem a muitos anos.

e-BocaLivre disse...

A matéria nem considera os restaurantes "in". E, de fato, é outra coisa: em geral usam tecnologia Paco Jet, que não exige nada além da polpa da fruta ou a massa congelada que for.

MARI-ANGELA HEREDIA DA COSTA disse...

A Sorbê, da Rita Medeiros, é diferenciada e faz sorvetes artesanais da melhor qualidade

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