Assisti ao Cooked de Michael Pollan na Netflix. É master, mas não é chef. Os títulos dos capítulos (fogo, água, ar e terra) parecem ter pouca relação com o conteúdo. Você fica esperando mais sobre o tema e a coisa não acontece. Ele se fixa em aspectos muito parciais. Por exemplo, o que vem da terra são bactérias, como elas afetam o queijo, etc. O ar, são as bolhas de gás retidas no tecido do pão, etc. Quase uma metáfora. Não se fala da crise da água, nem da propriedade da terra. Mas isso acaba sendo o de menos.
Ele se põe na posição de zombar um tanto do senso comum que o marketing busca construir, e das modas que estão por ai. Mas sem soberba. Pollan tem aquela mesma cara do americano médio abobalhado que imaginamos nós, os espertos.
Por exemplo, sobre o horror às bactérias (higienismo) ou a demonização do gluten. O mundo gluten free é uma bobagem semelhante àquelas que diziam que gordura dá cancer, etc. Para demolir essas coisas, se apoia em depoimentos de Nathan Myhrvold, com sua cara de louco-do-bem, e em experimentos bem localizados. Como o da freira, doutora em microbiologia, que prova para um agente de saúde que a madeira e o leite cru são melhores para fazer queijo do que o aço inox e o leite pasteurizado. Assim se desenvolve menos a ictericia coli. Nessas narrativas sobre temas vulgares, as opiniões fortemente políticas de Pollan passam a parecer pura “ciência”.
Ele sabe onde bate, onde a coisa pega. Persegue impiedosamente os preconceitos alimentares e a alienação norte-americana em relação à cozinha. Consegue mostrar bem a conspirata da indústria alimentícia pós-guerra para subtrair das mãos dos americanos a preparação doméstica de comida. Se não fosse assim, como esse segmento cresceria? E consegue deixar claro como muitos discursos “do bem” são, na verdade, alavancas dessa mesma indústria. Basta a imagem dos indianos gordinhos na tela, comedores de porkaritos, para ver que o monstro já levou seus tentáculos aos confins do mundo outrora idealmente “saudável”.
O americano médio de Michael Pollan é um homem perdido, definitivamente perdido. Aí entra a sua utopia pessoal, de reverter esse processo a partir da mudança de atitude dos cidadãos. Claro, não conseguirá, mas só a denúncia já garante a Pollan um lugar de Ralph Nader na cultura ultra-moderna.
Vale a pena seguir de perto o seu raciocínio e os seus passos. Talvez ele acabe como estrela no futuro ministério de Bernie Sanders…Cá entre nós, um destino bem melhor do que a cagação-de-regra de tanto chef, chefinho e chefete sobre sustentabilidade, proximidade com o produtor, etc etc. A utopia tem o seu papel educativo.
Se é possível fazer um bom programa de TV sobre alimentação, deixa de haver razão para as redes insistirem nessas bobagens que frisam, acima de tudo, a competição histérica entre pessoas.
26/02/2016
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3 comentários:
Gostei. De Cooked e do teu comentário. No início achei que estava "metendo o pau" com um certo ar superior em Pollan. Mas tenho o mesmo raciocínio. Sem radicalismos e palavras científicas ele consegue passar sua mensagem e atingir uma grande massa do pequeno ao grande passando pelo americanos médio. Sim, está se transformando em um celebridade mas bem quista. Este é seu papel, seu marketing. E entre assistir a idiotas programas de competição onde claramente se vê que os participantes nem sabem o que estão fazendo ali, fico com Pollan e sua cara de abobado!
Não assisti o documentário, li o livro que deu origem a série e gostei do que li, talvez a forma fluída com que ele escreve, tem um certo apelo para quem gosta da cozinha como eu e não está a fim de ler tratados científicos que às vezes só são interessantes pros nossos pares (minha formação é em história e na minha área existe um ranço, quase uma rixa do historiador com o jornalista, aquela coisa de fazer história do presente, etc). Talvez assista à série, afinal livro e adpatações para as telas costumam se complementar, ou não.
Também assisti o Cooked e tive a mesma impressão quanto a ficar aguardando o que dá impressão que será passado pela atividade gastronômica. Parece mesmo uma metáfora.... uma poesia sem sedução e paixão.
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