25/02/2016

Culinária - em vez de "resgatar", ´bora plantar?

Acho curioso o uso do termo “resgate” aplicado à culinária. Muita gente, com ares de antropólogo, se propõe estudar receitas antigas com o objetivo de “resgata-las”. O uso do termo, talvez tomado de empréstimo à arqueologia, é bastante inadequado, pois uma receita nunca está “extinta” como um dinossauro.  Pode ter caido em desuso, mas continuará viva como enunciado sobre como se prepara um determinado prato. Existe na memória. Faz quem quer, desde que encontre os ingredientes e a motivação, a qualquer tempo (e você nem imagina o que eu faria com um cesto de cambucá!)

Os “resgateiros”, ao contrário, acham que temos uma certa obrigação moral de recriar determinados modos de vida que o capitalismo destruiu, imaginando, assim, recuperar valores sociais comunitários tão caros. Não raro, acham que sem aqueles pratos que desapareceram a identidade das pessoas - e, então, a sua felicidade - está em risco. São idealistas no pior sentido da palavra.

Esta antropologia de conveniência se esquece que a culinária é, acima de tudo, uma atividade material, prática, dedicada a solucionar os problemas alimentares das pessoas concretas. Se mudam as condições sociais, é claro que a culinária também mudará. Por que o que ficou “para trás” deve ser considerado mais importante? Não faz sentido.


 Outra coisa são os ingredientes, cuja extinção paulatina é mesmo grave na medida em que diminui o arco de possibilidades de transformações culinárias atuais. E quem mais age nesse sentido é a agricultura moderna. Achamos bacana encontrar no mercado a jabuticaba, por exemplo, mas quantas e quantas variedades de jabuticaba simplesmente desapareceram nos últimos 50 anos enquanto a variedade “sabará” se tornava commodity? Onde foi parar o cambucá, a macaúba, o araçá, o marmelo, o jambo de cheiro, e mesmo dezenas de variedades de mangas massacradas pela palmer - variedade norte-americana “sem fiapo”? Essas sim são frutas que deveriam ser resgatadas (porque praticamente extintas no Brasil) mantendo viva a possibilidade de uma culinária rica e diversificada a qualquer tempo.

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