Me dei conta de que havia um ruído de comunicação quando a professora universitária, de gastronomia, me perguntou gentilmente: “Você já conheceu a gastronomia do restaurante X? Eu não acho uma boa gastronomia! Em compensação, a do restaurante Y é muito boa!”
Havia na sua fala, claramente, uma confusão entre gastronomia e culinária. Não seria nada grave se não induzisse a erros na própria formação de alunos de gastronomia.
Digamos que a culinária, de qualquer povo e em qualquer época, é o processo material de transformação de quaisquer ingredientes em comida. Implica em gestos, equipamentos, cultivos, modos de fazer, procedimentos mágicos, o que for que permite ao homem dispor da natureza de forma comestível.
E gastronomia? A palavra “gourmand”, da qual deriva, aparece no léxico francês, pela primeira vez, em 1354, e define um campo semântico vasto, que se projeta ainda sobre várias outras línguas. Está relacionada com a boa comida, a glutonia, o refinamento à mesa e, assim, atravessa os séculos se redefinindo sempre e mantendo a característica de um julgamento sobre a qualidade do que se come, isto é, da culinária.
Por vezes esteve ligada à nutrição e dela se separou ao figurar como uma valorização sem precedentes da “arte da mesa”, no século XVIII, tornando-se um espécie de identificação do maravilhamento e da felicidade ao se comer. De lá para cá, separou-se da “nutrição” e, mais recentemente, tende a se confundir com o comer engajado politicamente, nos moldes do que propõe o slow food.
Por suas ambivalências, pela identificação do bem comer com o luxo, a gastronomia muitas vezes é uma armadilha onde o valor do bom, do belo e do agradável assumem uma feição classista. É claro que libertar a palavra dessa conotação exige tanto a crítica social quanto a acuidade línguística. E é também notável que foram o marketing e a publicidade que promoveram essa ambiguação, misturando intencionalmente, como se fossem sinônimos, gastronomia e culinária. Lógico, paga-se um preço por isso. Em geral mais caro…Assim, não é uma confusão inocente.
Estudar a gastronomia exige certo domínio da línguística, da semiótica, e assim por diante. Estudar a culinária, por outro lado, exige recursos à física e à quimica, conhecimentos de tecnologia, etnografia dos gestos praticados na cozinha, significados que remetem às vezes à religião, aos tabus alimentares, etc.
Mantendo-se a distinção, cada estudioso da gastronomia ou da culinária pode escolher o seu caminho livremente, sendo mais preciso na comunicação com os outros. Os cursos de gastronomia deveriam ensinar isso no primeiro dia de aula, para que ninguém queimasse a pestana inutilmente, na direção que não deseja seguir...
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