Uma das mais belas composições de Gilberto Gil - Se eu quiser falar com Deus - metaforiza o despojamento necessário para encontrar o sublime que, além do mais, não estará lá como imaginado inicialmente. Isso pode servir também como metáfora para várias outras áreas da cultura, onde a busca do essencial é igual a livrar-se do entulho supérfluo, que é o que impede “ver”. Como se a fé fosse ludibriada pelos excessos copiosos do barroco ou do rococó.
Quando você observa as imagens de comida - no Instagram, por exemplo - o que vê, em geral, é o rococó moderno. Talvez o fotógrafo pense que uma simples laranja cortada ao meio seria decepcionante (o que seria matéria suficiente para um bom pintor de natureza morta). Mas o sabor, no que tem de essencial, é exatamente a qualidade que se revela na simplicidade: eu posso entender uma laranja, presentificar seu gosto, o que já não acontece com um prato que vem descrito, composto por meia dúzia ou mais ingredientes. Facilmente me perco como me perco observando detalhes de uma igreja rococó.
E, então, cabe perguntar: por que o rococó é necessário para a comunicação? Em boa parte do século XVIII, para a igreja, Deus não seria percebido senão através do excesso, da exibição da pujança da criação. O mesmo parece acontecer hoje, quando a cultura do excesso assume novos contornos, expressando a pujança não de Deus, mas dos produtos da indústria.
É esse excesso que Gil põe em questão na sua busca imaginada de Deus, exigindo o despojar-se. É o excesso de componentes de um prato que dificulta a percepção exata de algo que, na sua simplicidade, comunicaria o essencial.
Leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade, consistência, seriam os traços da comunicação desejáveis para o presente, segundo lição de Italo Calvino. São portanto vários os caminhos de perda de sentido moderna, quando nos afastamos desses eixos norteadores da modernidade. É por isso que uma certa idéia de essência está tão perto e, ao mesmo tempo, tão inalcançável.
Para construir uma obra (culinária) duradoura, o sujeito que parte do excesso moderno vive a mesma ilusão de que seria possível construir um monumento a partir da espuma de sabão. O monumento é a pedra ou a madeira, a mão e o formão. E por que seria diferente diante de uma espécie vegetal da qual se quer atingir o âmago?
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus...
1 comentários:
Aaaamigo. ..cuanta verdade....
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